Justiça manda Maluf devolver US$ 22 milhões
"Paulo Maluf era parte da fraude à medida que, pelo menos no decorrer de janeiro e fevereiro de 1998, ele ou outras pessoas em seu nome receberam ou foram creditadas no Brasil com uma série de 15 pagamentos secretos", diz a sentença divulgada ontem.
À época do desvio, a cidade já era administrada pelo sucessor de Maluf, seu afilhado político Celso Pitta, que morreu em 2009. Neste mesmo ano, advogados da Prefeitura solicitaram oficialmente à Justiça da ilha britânica a repatriação dos US$ 22 milhões atribuídos a Maluf, o que levou à abertura da ação.
O valor que voltará para a Prefeitura está bloqueado em Jersey, sendo que parte importante é composta por ações da Eucatex - empresa da família Maluf. Por isso, o retorno dos recursos ainda depende desses papéis. Se a venda das ações não for suficiente, a procuradoria do município deve pedir outros ativos das empresas da família para completar o valor.
Durante o julgamento envolvendo Maluf - frequentemente acusado de corrupção -, os juízes de Jersey reconheceram, curiosamente, que "nem todo político é corrupto" e que é preciso ter em perspectiva a importância de um caso que envolva um ex-prefeito. Mesmo assim, a condenação ocorreu porque as evidências são fortes, disseram. "Mesmo se partimos da premissa que é improvável que alguém da proeminência de Paulo Maluf tenha se envolvido em uma atividade fraudulenta desse tipo, o peso das evidências no caso atual é tal que o ônus da prova é mais que satisfatório", diz a decisão.
O esquema que envolve o ex-prefeito começou na zona sul de São Paulo e terminou na pequena ilha no Canal da Mancha. Por meio de duas empresas fundadas e administradas pela família - a Durant e a Kildare, Maluf e seu filho Flávio foram os beneficiados do desvio de cerca de 20% da verba destinada à construção da Avenida Água Espraiada.
Com notas fiscais frias, a prefeitura paulistana pagou US$ 10,5 milhões a mais para a construtora Mendes Júnior, que liderava as obras. Esse dinheiro foi repassado a empresas subcontratadas e, depois, transferido a Nova York. De lá, o dinheiro cruzou o Atlântico para ser depositado em nome de duas empresas offshore dos Maluf em Jersey. Offshore é uma companhia sem atividade, aberta geralmente para pagar menos impostos do que no país de origem.
"A ligação entre os pagamentos não poderia ser mais clara", diz a sentença, ao citar a sequência dos pagamentos: prefeitura - empreiteiras - conta nos EUA - offshore dos Maluf. Ao resumir o esquema em uma das principais obras da gestão do ex-prefeito, a Justiça da ilha afirmou que "entre o fim de 1997 e o início de 1998, o município de São Paulo foi vítima de uma fraude substancial".
Defesa
O deputado e o filho negam relação com as contas, motivo pelo qual não atuaram formalmente na defesa. "Os réus não fizeram, na prática, a contestação sobre os fundos em questão", cita o texto da Justiça de Jersey.
A corte demonstrou insatisfação com a estratégia dos advogados que representam as empresas offshore. Além de o juiz que a preside, Howard Page, ter mostrado contrariedade com a estratégia dos réus de tentar atrasar o andamento processo, a sentença divulgada ontem destaca o fato de que a defesa só questionou a autenticidade das evidências, sem apresentar provas para livrar a culpa das offshore do recebimento do dinheiro ilícito.
Segundo a sentença, a abordagem da defesa era "minimalista". Na maioria dos casos, cita, a estratégia consistia apenas em negar a acusação apresentada. Outra crítica repetida algumas vezes é o fato de que, em nenhum momento, Maluf e Flávio foram às sessões em Jersey para se defender. "Em certas circunstâncias, um tribunal pode ter o direito de tirar conclusões desfavoráveis pela ausência ou silêncio de uma testemunha que se esperaria ter material de evidência para oferecer na ação", cita o documento. "Na ausência, a inferência natural deve ser a de que a presença como testemunha só teria servido para fortalecer o argumento da acusação."
Recurso
Os advogados de defesa podem entrar com recurso em Jersey nos próximos 30 dias. Há, ainda, uma última possibilidade de apelação em Londres, mas, para isso, é preciso ter a aprovação da própria corte de Jersey. Entre os envolvidos, a expectativa é que, diante dos argumentos apresentados ontem, é baixa a possibilidade de mudança na decisão.
Para o procurador-geral do Município de São Paulo, Celso Coccaro, o recurso, porém, não tem efeito suspensivo. "Se houver recurso, mas não tivermos essa suspensão, trabalharemos como se não houvesse recurso algum."
Coccaro destacou que a decisão deixou em aberto como será feita a repatriação do dinheiro para a Prefeitura. O mais provável que é o processo seja feito a partir de uma ação de execução. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.