UE entre carência de mão de obra e políticas anti-imigração

Autor DW Tipo Notícia

À medida que as populações da Europa envelhecem, cresce a falta de trabalhadores especializados, sobretudo na saúde. Ao mesmo tempo, políticos de direita exigem restrições à imigração. Para os governos, um sério impasse.Com o avanço da ultradireita, a imigração ocupa o topo da agenda política da União Europeia (UE), e aumenta a pressão sobre os governos para que mantenham baixas as taxas de ingresso. No entanto, diversos países, mesmo os que sustentam uma postura ostensivamente anti-imigrantes, estão atraindo trabalhadores estrangeiros para preencher uma vasta lacuna de mão de obra e manter as economias nacionais em funcionamento, num continente que está envelhecendo. Quase dois terços das pequenas e médias empresas do bloco não conseguem encontrar os profissionais de que precisam, e a UE identificou 42 ocupações em que a escassez é extrema e elaborou um plano para compensá-la. Diante desse quadro, certos líderes europeus, sobretudo ultradireitistas, reivindicam acordos com países terceiros para restringir o afluxo de imigrantes ou deportá-los. Paralelamente, contudo, há sinais de um reconhecimento crescente da necessidade de reforço externo. Enfermeiras indianas para a Itália Na Itália, o governo populista de direita de Giorgia Meloni decidiu recrutar centenas de milhares de trabalhadores para cobrir as carências nacionais. Em 2023, anunciou que contava trazer um total de 452 mil estrangeiros até 2025, embora admitindo estar bem aquém da "necessidade detectada, de 833 mil". Segundo o Centro de Estudos e Pesquisa do German Institute of Development and Sustainability (IDOS), a Itália precisaria de 280 mil profissionais por ano até 2050 para superar suas faltas em 37 setores, entre os quais agricultura, turismo e, acima de tudo, saúde. Recentemente, Roma anunciou que recrutaria na Índia 10 mil enfermeiras para cobrir cerca de um terço de suas necessidades. Em outubro, o ministro italiano da Saúde, Orazio Schillaci, comentou que o país asiático dispõe de 3,3 milhões, portanto um superávit, de profissionais do setor. As cuidadoras seriam contratadas diretamente pelas regiões carentes, onde for necessário, assim que se confirme que dominam o idioma italiano. Segundo o professor de sociologia e especialista em migração Maurizio Ambrosini, da Universidade de Milão, o governo se viu forçado a mudar sua política por pressão da classe patronal: "Durante anos, os empregadores italianos estiveram muito silenciosos no debate sobre a imigração. Acho que eles não queriam uma luta com os partidos de direita. Mas agora a coisa mudou." Mesmo dentro da coalizão governamental ultradireitista, muitos consideram a nova política um forte revés para Meloni, que costumava criticar as políticas pró-imigração como parte de uma conspiração da esquerda para "substituir os italianos por imigrantes". O vice-prefeito da ilhota de Lampedusa, aonde chega grande parte dos migrantes que entram ilegalmente no país, Attilio Lucia, da populista de direita Liga, manifesta sua frustração: "Eu esperava que, agora que temos um governo direitista, a situação mudaria, mas a direita está ficando pior do que a esquerda." Holanda: empresariado coloca competência na frente da nacionalidade Na Holanda, o novo governo liderado pelo populista de direita Partido pela Liberdade (PVV), de Geert Wilders, tentou obter ser isento ou se excluir do sistema de asilo da União Europeia, que considera a medida "um direito fundamental e uma obrigação internacional para os países". No entanto, a mídia nacional tem sugerido que a exacerbada retórica anti-imigração perpetuada pela ultradireita faz os trabalhadores especializados se sentirem menos bem-vindos no país. Porém até mesmo esses grupos têm que encarar a realidade: as companhias holandesas necessitam mão de obra estrangeira para permanecer competitivas. Assim, é possível que o empresariado também tenha influenciado o reposicionamento governamental. A maior companhia do país, a fabricante de equipamento para produção de semicondutores ASML Holding, declarou que depende de funcionários altamente qualificados, não importa de onde venham. Assim, quase 40% de seus quadros são de estrangeiros, e ela defende que a imigração não deve ser restringida. "Erguemos a nossa companhia com mais de 100 nacionalidades", comentou em outubro o diretor executivo Christophe Fouquet na Cúpula Tecnológica Bloomberg, em Londres. "Trazer talento de todas as partes tem sido uma condição absoluta de sucesso, e isso tem que continuar." Uma das medidas estatais foi introduzir um incentivo fiscal para os trabalhadores imigrantes, reduzindo sua alíquota de 30% para 27%. Embora relativamente pequena, essa vantagem aparentemente vem atraindo muitos jovens empregados estrangeiros altamente capacitados. Alemanha aposta na Chancenkarte Em junho, a Alemanha introduziu a Chancenkarte (Carta Oportunidade), um esquema de permissão de residência permitindo a profissionais de fora da União Europeia procurarem trabalho no país. Até o fim de 2024 está prevista a concessão de 200 mil vistos. Para cobrir as necessidades de seu mercado, a Alemanha necessita cerca de 400 mil novos trabalhadores especializados por ano, sobretudo nos setores de engenharia, tecnologia da informação (TI) e saúde. A Índia é um de seus alvos: em vista recente, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, afirmou que seu país "está aberto para empregados especializados", prometendo reduzir os obstáculos burocráticos e aumentar o número anual de vistos para indianos, de 20 mil para 90 mil. Por outro lado, devido à ascensão da sigla populista de direita e anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD) nas eleições regionais e a um ataque a facadas na cidade de Solingen, no oeste alemão, o chefe de governo social-democrata abonou a instituição de controles nas fronteiras internas da UE para "restringir a migração". Em declaração, Scholz enfatizou a necessidade de "fazer baixar" a imigração irregular para a Alemanha, porém ressalvando que o país precisa de mão de obra capacitada. Política pública versus política silenciosa Praticamente todos os países-membros da UE se confrontam com o mesmo problema: falta de mão de obra numa população cada vez mais idosa. Apesar de um acréscimo da imigração, eles não querem dar a impressão de que incentivem os ingressos sem visto de permanência. Para o sociólogo Ambrosini, o problema é a dificuldade dos Estados europeus em conciliar duas políticas de imigração díspares. Uma é para consumo público, exigindo "acordos de controle de fronteiras, com países de trânsito como a Tunísia, ou de deportação para instalações no exterior, como o da Itália com a Albânia". "Por outro lado, está ficando claro que eles precisam de trabalhadores, e estão criando novas medidas para atrair mão de obra não só especializada, mas também sazonal. Essa segunda política é mantida um pouco oculta, não é divulgada demais, e talvez só seja visível para as associações patronais." No fim das contas, a questão é os governos poderem assegurar que têm o controle de quem está entrando e quem pode ficar, resume o professor da Universidade de Milão. "Mas isso é um mito, pelo menos em relação aos empregos 'de colarinho azul', porque os empregadores recebem daqueles que já estão na Europa as referências sobre quem contratar. Como é que o patrão vai saber quem trazer do Peru, por exemplo?" Autor: Anchal Vohra

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