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Meu pedaço de terra: Karam e seu notebook vermelho da Síria

09:26 | 28/12/2015
A única coisa que Karam pôde levar de seu país de origem não tem valor algum para ele enquanto seus pais continuarem em situação de risco na Síria. Milhares de refugiados chegam atualmente à Alemanha. São pessoas que deixaram para trás amigos e família, trabalho e casa e isso talvez para sempre. Em nossa série de reportagens "Meu pedaço de terra", apresentamos alguns refugiados e suas histórias sob suas perspectivas: subjetivas e sem julgamentos. E mostramos que eles, apesar de uma fuga perigosa, trouxeram consigo um objeto: o "pedaço de terra" que puderam carregar. "Na Síria, as pessoas não acreditam em sonhos. Confia-se na lógica", diz Karam Al Yusuf. A lógica foi a razão pela qual Karam levou seu notebook para a Alemanha. Quando fez suas malas no início de 2015, ele não pensou em levar objetos dos quais poderia sentir falta. Ele simplesmente levou o que poderia ser útil: algumas peças de roupa e o computador. "Minha vida não era ruim" Karam tem 28 anos e é o mais velho de cinco irmãos. Depois de estudar em Aleppo, estava prestes a iniciar sua carreira profissional em Deir ez-Zor, no leste sírio. "Estudei Geologia na Universidade de Aleppo e me formei em 2012. Minha vida não era ruim. Eu ganhava bem, tinha casa própria e podia ver meus pais regularmente. Naquela época, nada me faltava e tudo parecia possível", relata. Karam ainda permaneceu no país durante três sangrentos anos, depois que começaram os combates entre o Exército Livre da Síria (ELS) e o regime de Assad, em 2011. Ele continuava achando que em breve tudo poderia mudar. "Acreditei na Revolução, acreditei que os cidadãos unidos poderiam lutar, dar apoio uns aos outros e fazer tudo para derrubar o regime. Era razão suficiente para ficar", relembra. Mas rapidamente ficaria claro o que significa uma guerra. "Perdi meus amigos. Foi horrível", conta. A sensação frente a tudo o que acontecia era de perda de sensibilidade para as coisas, diz ele. Naquele momento, Karam chegava até mesmo a sonhar que estava sendo detido por Assad. A família decidiu deixar os dois garotos irem Karam e seu irmão foram entre os últimos do círculo de amigos a deixarem a Síria. "Era tudo muito ruim na cidade. Meu irmão tinha acabado de se formar na universidade e foi convocado para o serviço militar. Era impensável para ele se tornar soldado", conta. Por isso, a família tomou a decisão de que os dois jovens deveriam deixar o país. Depois de uma rápida estada na Turquia, onde seu irmão ainda vive hoje e trabalha "sob péssimas condições", Karam está há cinco meses na Alemanha. Ele mora com seu primo e um bom amigo sírio. Na capital alemã, tem saudades de pequenas coisas de sua terra, como por exemplo "a atmosfera indescritível de casa". E trocaria imediatamente seu notebook pelos momentos nos quais jogava basquete sozinho na hora do pôr do sol ou quando tomava chá com os amigos na beira do rio. "Tem muitos lugares em Berlim onde todo mundo só fala árabe. Mas não estamos na Síria, não estamos na minha cidade. Essa não é a minha casa", diz ele. Diploma universitário precisa ser reconhecido Karam está certo de que vai conseguir trabalho em poucos meses. Primeiro, seu diplomatem de ser reconhecido. Isso pode ser perigoso, pois é preciso que alguém vá até a universidade onde ele estudou na Síria para buscar alguns documentos. Karam teme que o EI prenda essa pessoa. Sua maior preocupação, contudo, é a saúde física e mental de seus pais. Quando deixou a Síria, ele sabia que eles estariam em perigo. "Ou serão mortos ou vou vê-los de novo", pensou. Seus pais já se mudaram para Al-Rakka. Hoje, a cidade também é um centro de ações do EI, sendo considerada até mesmo como a capital de seus terroristas na Síria. Karam consegue raramente se comunicar com os pais pelo WhatsApp. "É só um aparelho" O notebook vermelho talvez seja uma das poucas lembranças de sua vida anterior, mas Karam sabe "que isso é apenas um computador. Em caso de urgência, posso conseguir outro novo. É só um aparelho", diz ele. Frente à situação de risco de seus pais, ter ou não um notebook para Karam não tem valor algum. Autor: Caroline Schmitt (sv)
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