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Domínio islamista na Constituinte ameaça transição à democracia no Egito

17:23 | 27/11/2012
Irmandade Muçulmana e salafistas dominam praticamente sozinhos a Assembleia Constituinte, que, sem a presença de grupos cristãos e seculares, pode dar ao país uma legislação baseada na sharia. No turbilhão político egípcio, a disputa entre islamistas e grupos de orientação secular não se reflete apenas nos protestos e confrontos nas ruas do Cairo. Na Assembleia Nacional Constituinte, engarregada de redigir a nova Constituição, o impasse entre duas concepções totalmente diferentes para o futuro do país fica evidente. Nas últimas semanas, quase todos os membros não islamistas, incluindo representantes das três Igrejas cristãs do Egito, abandonaram a assembleia em protesto contra o domínio da Irmandade Muçulmana e dos salafistas. Segundo Mohamed Zaraa, diretor de projetos do Institute for Human Rights Studies, no Cairo, no momento a assembleia tem, além dos islamistas, apenas representantes da polícia e dos militares. "Isso com certeza afetará a legitimidade da Constituição, mas, a julgar pelos comentários do presidente da assembleia, os planos da Irmandade Muçulmana são de ir adiante e redigir a Carta", comenta. Uma das razões para os recentes abandonos foi o prazo acelerado para a preparação da Constituição. Em seu mais recente decreto, o presidente Mohammed Morsi chegou a conceder mais dois meses para a redação do texto, mas mesmo assim um retorno dos não islamistas é tido como improvável. Isso porque o decreto também deu poderes ditatoriais a Morsi e imunidade para a assembleia, que, do contrário, poderia ser dissolvida por um processo no tribunal constitucional. "Princípios da sharia" Há ainda outros motivos para as renúncias. Zaraa lembra que, em 22 de outubro, foi divulgado um esboço de Constituição totalmente desconhecido para muitos constituintes não islamistas. "Parece que alguns trabalharam escondidos. A redação da Constituição não está acontecendo apenas na Assembleia Constituinte. Aparentemente há outros atores, além dos membros", afirma o especialista. Existem também pontos de grande divergência sobre qual seria o real papel da sharia, a lei islâmica. O atual esboço da Constituição diz que "os princípios da sharia" são a base da legislação. Inicialmente, os salafistas defendiam a aplicação pura e simples da sharia, e não apenas de seus "princípios" o que significaria, por exemplo, estabelecer o apedrejamento como punição para o adultério. Por pressão deles, foi acrescentado ao texto um artigo detalhando o termo "princípios". "Nós vamos usar interpretações do Alcorão que têm cerca de mil anos. Isso transformaria nosso Estado civil num Estado islâmico", diz Zaraa. Religião acima do Parlamento O temor é compartilhado pelos representantes da Igreja que abandonaram a Assembleia e pelo ex-porta-voz da Assembleia Walid Abdel Maguid os islamistas, acredita-se, de fato implementarão os princípios da sharia se eles estiverem na Constituição. O ex-ditador Hosni Mubarak também havia incluído os "princípios da sharia" na Constituição anterior, mas ele queria apenas assegurar legitimidade religiosa. Segundo Zaraa, caberia à Universidade de Al-Azhar, mais alta instituição de interpretação do Direito sunita, decidir se uma lei está em conformidade com a sharia. Nesse cenário, o Egito teria uma instituição religiosa acima do Parlamento democraticamente eleito. "Se a Al-Azhar disser que uma determinada lei não está de acordo com a sharia e, como a sharia será a principal fonte do Direito, a lei será inconstitucional e o Parlamento não poderá aprová-la", diz Zaraa. A Irmandade Muçulmana nega essa relação. Polícia religiosa O atual esboço da Carta tem ainda outros trechos que favoreceriam a formação de um Estado islâmico. Na Arábia Saudita, por exemplo, existe uma polícia religiosa, que vigia para que os "valores morais" sejam respeitados em público. E para Wahid Abdel Maguid, esse risco existe também no projeto de Constituição para o Egito: "Um dos pontos mais inquietantes desse projeto é o trecho que abre as portas para a formação de 'grupos contra a imoralidade'", diz. Levando em consideração trechos como esse, não é surpreendente que os não islamistas tenham abandonado a Constituinte. A desconfiança em torno da Irmandade Muçulmana e dos salafistas se tornou ainda maior depois do decreto em que Morsi ampliou os próprios poderes. Para liberais, esquerdistas e grupos seculares, está claro que os islamistas querem apenas ampliar seu poder. Autor: Nils Naumann (rpr) Revisão: Alexandre Schossler

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