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Crise no Paraguai acentua importância de relação histórica com o Brasil

14:41 | 29/06/2012
Após sair aniquilado da Guerra do Paraguai, país intensificou relações com Brasil a partir de meados do século 20. Hoje, há forte interdependência econômica e política entre os dois vizinhos. Guerra do Paraguai, Tratado de Itaipu, Mercosul. São muitos os pontos de convergência entre Brasil e Paraguai. Dois países de dimensões territoriais e econômicas tão distintas, porém fortemente interdependentes. Nos últimos dias, o impeachment do presidente Fernando Lugo, rechaçado pelo Brasil, voltou a sinalizar a relevância das relações bilaterais. "O pronunciamento do governo brasileiro após a deposição foi o mais aguardado pelo novo governo paraguaio", aponta Rafael Duarte Villa, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). Para Villa, o Brasil tem se posicionado com ambiguidade diante da atual crise. Por um lado, sustenta que houve quebra da ordem democrática, mas, por outro, que não se podem cortar as relações com o Paraguai. Interdependência A partir dos anos 1950, houve uma intensificação das relações Brasil-Paraguai, incluindo a assinatura do Tratado de Itaipu e a intensificação dos movimentos migratórios nas últimas décadas. "Hoje uma das principais potências econômicas do mundo, o Brasil exerce uma influência muito grande sobre a região sul-americana e mais ainda sobre o Paraguai", destaca Rolando Segovia Páez, diretor de Relações Internacionais da Universidad Nacional del Este, no Paraguai. Do lado brasileiro, a principal dependência é energética. De acordo com o Tratado de Itaipu, firmado entre Brasil e Paraguai em 1973, cada um dos países pode usar 50% da energia gerada pela usina. Entretanto, o Paraguai utiliza apenas 5% da sua parte e vende o restante ao Brasil. Em 2011, o governo brasileiro concordou em triplicar a taxa anual sobre a energia comprada do Paraguai de 120 milhões de dólares para 360 milhões de dólares. Para Villa, um aumento justo, pois o valor estava defasado. A hidrelétrica atende a cerca de 20% do consumo de energia brasileiro, e a 91% do paraguaio. Outro aspecto marcante é o fato de a economia da fronteira paraguaia depender das compras dos brasileiros na chamada Ponte da Amizade, que liga Foz do Iguaçu a Ciudad del Este. Ao mesmo tempo, boa parte da economia informal do sul do Brasil depende das mercadorias compradas no país vizinho. Nesse contexto, Páez relata que já é possível sentir o efeito da deposição de Lugo: "Para fazer compras no Brasil, é preciso trocar dinheiro, mas cambistas das regiões de fronteira dizem que o movimento e o nível de comércio diminuíram nos últimos dias." Quanto à complexa questão dos brasiguaios colonos brasileiros que há décadas vivem no Paraguai e entram em conflito com os carperos (sem-terra paraguaios) , Villa aponta que uma ruptura diplomática geraria pressão sobre os brasiguaios, estimados em 400 mil, por temerem expropriação de terras e repatriação. "A questão está sendo usada como moeda de troca, sobretudo pelo lado paraguaio: permanência dos brasiguaios em troca de certo reconhecimento do presidente Federico Franco", afirma Villa. Após o impeachment de Lugo, os brasiguaios encaminharam à presidente Dilma Rousseff um documento pedindo o reconhecimento do novo governo, que prometeu agir em prol da paz no campo. Assimetria A interdependência Brasil-Paraguai é marcada por assimetria. "O impacto de um fim dos fluxos econômicos paraguaios sobre o Brasil seria muito menor do que no sentido contrário", diz Villa. Nesse âmbito, "o interesse do lado paraguaio é evidentemente maior", completa Peter Altekrüger, pesquisador do Instituto Ibero-Americano em Berlim, especialista em questões do Paraguai. Também as relações políticas são estreitas. "Tanto a economia quanto a política, sobretudo externa, paraguaias dependem muito das decisões e da cooperação brasileira", afirma o pesquisador da USP. Pode-se dizer que o Brasil é o principal parceiro do Paraguai no continente. Porém, Villa ressalta que não se trata de uma parceria com igualdade, como a entre Argentina e Brasil. "O poder de negociação da Argentina sobre o Brasil é bem maior." Culpa histórica Um dos fatos mais marcantes na história das duas nações ocorreu entre 1864 e 1870, quando o Brasil lutou ao lado do Uruguai e da Argentina na Guerra do Paraguai. Os paraguaios saíram derrotados e devastados, com mais de 300 mil civis e militares mortos, a perda de territórios para o Brasil e a Argentina, além de serem obrigados a pagar altas indenizações. "O que aconteceu na guerra que foi um genocídio e tornou o Paraguai o país mais desfavorecido da América do Sul , permanece na memória. Mas não acredito que os governos atuais levem em conta essa situação", diz Páez. Altekrüger concorda. Villa, por sua vez, aponta para a existência de uma "culpa histórica" por parte do Brasil. O Paraguai, uma economia basicamente de serviços, nunca mais conseguiu se transformar em economia moderna, o que ajuda a aprofundar o "sentimento paternalista" do Brasil, acredita Villa. "Há a sensação de que medidas mais duras ou um distanciamento poderiam deixar o Paraguai sem opção. E isso poderia levar a uma crise econômica e humanitária profunda", diz, acrescentando que, naturalmente, Brasília não quer um vizinho com instabilidade política e social. "Existe a ideia de que o Brasil tem certa responsabilidade pelo futuro do Paraguai e que há a necessidade de agir com cautela." Enquanto isso, os paraguaios consideram a forte influência do Brasil como "mal necessário". "Não há alternativa", afirma Villa. Situação atual Após a deposição de Lugo na última sexta-feira (22/06), o Ministério das Relações Exteriores brasileiro afirmou em nota condenar o processo de destituição do presidente. "O Brasil considera que o procedimento adotado compromete o pilar fundamental da democracia", dizia o documento. Mas o governo ressaltou que não tomaria "medidas que prejudiquem o povo irmão do Paraguai". Páez critica a maneira como foi conduzida a política no país, com a rápida destituição do presidente. "Há uma quantidade importante de países vizinhos que não reconhecem o atual governo, e seguramente Franco terá dificuldades nos próximos meses. Se a política fosse realizada de forma mais séria, não teríamos tanta rejeição em nível internacional", diz. Como resposta ao impeachment, o Mercosul suspendeu o Paraguai do bloco econômico no último domingo (24/06). Villa prevê que as relações econômicas Brasil-Paraguai não serão afetadas, mas a desconfiança do Brasil com relação à classe política paraguaia deve permanecer por algum tempo. "Reconhecer o governo de Franco nesse momento significaria uma grande contradição com relação aos princípios democráticos que o país sustenta", reforça o pesquisador da USP. Autoras: Nádia Pontes/Luisa Frey Revisão: Roselaine Wandscheer

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