"Laço de alma", diz rapaz que tem duas mães na certidão de nascimento
Leandro Teixeira conseguiu o direito de ter o nome da tia que o criou na certidão de nascimento junto ao da mãe biológica
13:58 | Set. 05, 2025
O jovem Leandro Teixeira Beserra, de 34 anos, agora tem os nomes de suas duas mães na certidão de nascimento. O direito foi garantido pela 6ª Vara de Família de Fortaleza. "É um laço de alma", frisa.
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O vínculo entre mães e filhos pode aconteceu de diferentes formas. Foi o que aconteceu entre o sobrinho Leandro e a tia, Cleide Rosendo Teixeira, 71, há 34 anos atrás, quando o rapaz nasceu.
Apesar do mesmo sobrenome e parentesco, os dois não são mãe e filho de sangue, mas sim de criação. A mulher cuidou de Leandro desde suas primeiras horas de nascido.
Tia e sobrinho acreditam que maternidade aconteceu em outras encarnações
A mãe biológica de Leandro, Cleire Teixeira Beserra, 70, ficou fragilizada após a cirurgia de cesárea. Ela lembra que Leandro nasceu com problemas de saúde e precisou ficar 20 dias internado. "Ela (mãe biológica) tinha que ir todo dia para me alimentar, mas ela estava frágil, sem conseguir honrar com esse compromisso diariamente. [Então] minha mãe socioafetiva interveio", conta Leandro.
Na época, Leandro precisou de um leite especial, que custava caro, e os pais biológicos não tinham condições financeiras de arcar com os custos.
“[Ela] percebeu que esses cuidados precisariam ser prolongados no decorrer dos primeiros anos. Aí chegou numa conversa com os meus pais e falou o seguinte: 'Eu cuido dele, dou tudo que ele precisar, mas ele é meu, eu que vou criar'", detalha o rapaz.
Leandro mora com Cleide desde o nascimento, e visitava os pais biológicos todos os dias, pois os mesmos viviam em uma residência a poucas ruas de distância.
“Esse reconhecimento judicial da maternidade não veio apenas para confirmar um laço que sempre existiu, mas também para legitimar juridicamente uma relação construída no afeto. Dissolvendo completamente qualquer dúvida ou julgamento que foi gerado em cima desses comentários", ressalta Leandro. Ele diz que alguns familiares chegavam a fazer comentários que deixavam Cleide fragilizada.
Filho e mãe acreditam que a maternidade se repetiu em outras encarnações.
“Como minha mãe socioafetiva não teve oportunidade de gerar um filho no ventre, eu tive que vir através de um outro portal, no caso minha mãe biológica. E aí nós viemos novamente como mãe e filho, mostrando que um vínculo não se limita só ao biológico, mas também a um laço de alma", finaliza.
Sobre os comentários negativos vindos da família, Cleide afirma que os mesmos a deixavam vulnerável e que os familiares não entendiam a “grandiosidade da causa”.
“Me deixava chateada, mas eu relevava porque na realidade eu recebi um presente de Deus, que foi o meu filho estar comigo nessa vida”, afirma a aposentada.
Ela conta que a irmã, mãe biológica de Leandro, está todos os dias na casa e que nunca falot afetividade no convívio. "A gente vive bem, inclusive com o marido dela também. Foi um amor multiplicado", completa.
Filiação socioafetiva: o que é?
A advogada e especialista em Direito das Famílias, Ana Zélia Cavalcante, explica que o termo filiação socioafetiva é o reconhecimento do parentesco, proveniente dos laços afetivos.
“O vínculo de parentesco originalmente vem através da relação sanguínea e proveniente da adoção. São duas formas tradicionais de filiação. A terceira forma, que surgiu de modo contemporâneo, é a filiação proveniente da socioafetividade", explica.
Ela esclarece que é quando a relação de afeto demonstra que “existe uma relação de parentesco e você considera como tal”.
“Quando se acolhe alguém, você está ali no dever de cuidar. E aquele vínculo se torna tão natural e tão forte que passa a existir uma relação entre mãe e filho, pai e filho. O mais curioso desse caso é que esse sobrinho, ele tem a mãe presente na vida dele. Então aqui nós estamos falando de mães que são irmãs".", complementa.
Neste caso, a parte atípica é que Leandro possui contato com a família originária, sua mãe e seu pai.
A advogada explica que, antigamente, o processo de filiação só se dava através da adoção, o que acaba se tornando algo burocrático.
Para Zélia, o peso da decisão judicial representa um direito a muitas pessoas. “Por muitas vezes muitas pessoas pretendiam alcançar [a filiação], mas não conseguiam chegar lá (...) Nós temos hoje Estado do Ceará entrando como precursor, como pioneiro em relação a esse direito", finaliza.