Pedreiro que levou oito tiros ao tentar socorrer baleados de chacina relata sequelas 10 anos depois
Vítima diz que ficou com a perna enfraquecida e sente dores dez anos após o fato
17:47 | Ago. 26, 2025
Entre os depoimentos registrados nessa segunda-feira, 25, durante o primeiro dia do 4º julgamento de policiais militares acusados de envolvimento na Chacina do Curió, estava previsto o de um pedreiro que tentou socorrer os baleados, mas foi perseguido e levou oito tiros.
A vítima sobrevivente descreveu o que viveu no dia 11 de novembro de 2015, quando 11 pessoas foram mortas e sete saíram feridas. O julgamento ocorre no fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza.
Sob os olhos atentos da defesa dos policiais militares acusados, do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e de familiares das vítimas, o pedreiro descreveu que estava em casa e ouviu uma menina gritando que haviam baleado o irmão dela e resolveu ajudar.
Ele relatou que tentou socorrer as vítimas em um veículo, mas foi perseguido e levou oito tiros, sendo três nas costas, quatro na perna esquerda e um na nuca.
O núcleo que senta no banco dos réus é considerado o "núcleo da omissão", no desmembramento do processo. O MPCE entende como omissão, pois os agentes de segurança estavam de serviço no dia dos crimes e teriam se omitido dos deveres legais e não impediram a chacina.
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Diante da ausência da interferência, os sete militares foram denunciados pelos 11 homicídios, todos duplamente qualificados e praticados por motivo torpe e mediante recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa das vítimas, três homicídios tentados, duplamente qualificados e, também, cometidos por motivo torpe e com recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa das vítimas; três crimes de tortura física; e um crime de tortura psicológica.
Sobrevivente ficou 22 dias internado no IJF
Foram 22 dias internado no Instituto Doutor José Frota (IJF), sendo os dois primeiro em coma. Além da sequela emocional, de tudo o que viveu naquele dia, teve sua mobilidade prejudicada, o que é um dos principais requisitos na profissão de pedreiro.
Mesmo com as dificuldades, ele segue na profissão. Sente dores e fraqueza nas pernas, o que faz rejeitar trabalhos que exigem maior desempenho físico, e evita alturas.
A vítima relatou que pessoas com fardamento da Polícia Militar do Ceará presenciaram ele ferido, mas nada fizeram. Ele descreve que foi socorrido, inicialmente, por moradores e, posteriormente, por uma ambulância do Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (Samu).
O MPCE expôs um vídeo que mostra a vítima tentando socorrer os jovens e, ao mesmo tempo, o áudio da mãe de um dos jovens mortos. É possível ouvir a mulher entrando em contato com a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) pedindo socorro, pois três jovens haviam sido baleados, dois estavam desacordados.
A ligação sincronizada com as imagens mostraram o desespero da mãe, que tentava acionar as autoridades, em busca de socorro para os jovens e, em determinado momento, em meio ao choro, ela afirma que um deles é seu filho.
No momento que o áudio é exposto, todos ficam em silêncio. Mães, familiares e amigos prestam apoio uns aos outros revivendo esse momento de dor. O áudio segue identificando que, enquanto a mãe está em contato com a Ciops, ela também pede socorro a uma pessoa na rua. O responsável pela ajuda estava ali, sentado, como uma vítima sobrevivente. Os rapazes morreram.