Cearense de 13 anos passa pela primeira telecirurgia cardíaca do SUS no Estado
Uma criança de 13 anos foi operada por cirurgiões no Hospital Infantil Albert Sabin, em Fortaleza, com instruções de uma equipe médica especializada do Hospital do Coração (Hcor), de São Paulo
16:25 | Jul. 09, 2025
Um projeto inovador realizou a primeira telecirurgia cardíaca em uma criança com cardiopatia congênita, no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), em Fortaleza. Procedimento foi realizado por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).
LEIA MAIS - Médicos entre telas: como a teleinterconsulta altera a jornada do paciente
Com equipamentos que captam imagens e áudio - de alta resolução - acoplados no centro cirúrgico, especialistas do Instituto do Coração (InCor) e do Hospital do Coração (Hcor), em São Paulo, participaram, remotamente, da cirurgia em uma criança de 13 anos, no Hias, no dia 26 de junho.
Cerca de 29 mil crianças nascem com cardiopatia congênita a cada ano no Brasil, e aproximadamente 6% desses casos resultam em óbito antes do primeiro ano de vida, de acordo com o Ministério da Saúde (MS).
Apenas 20% dos casos são resolvidos espontaneamente, o que significa que quase 80% dos pacientes necessitarão de intervenção cirúrgica em algum momento de suas vidas.
Ainda conforme o MS, metade desses casos exigem cirurgia no primeiro ano de vida, totalizando uma demanda estimada de 11.539 novos procedimentos cirúrgicos por ano no Brasil.
Antônia Maria Ramal Barbosa, de 54 anos, descreve a descoberta inesperada da condição cardíaca da filha, Ana Irla, de 13 anos, os desafios enfrentados durante o diagnóstico e internação, e a gratidão pelo sucesso da telecirurgia e pela recuperação pós-cirúrgica.
Ela detalha o processo diagnóstico desafiador e a eventual identificação de um problema cardíaco que um médico do Hospital Albert Sabin explicou como um "soprozinho" no coração que não fechou, derramando sangue para o pulmão.
“Eu me senti assim triste. Me sentia apavorada. Deu vontade de pegar as coisas dela e fugir, pegar uma carreta na BR, desabar no meio do mundo com ela, porque eu fiquei apavorada. Conversei... ela também ficou muito chateada, ficou triste”, relembra a mãe.
Antônia conta que o diagnóstico de cardiopatia congênita foi revelado após uma série de convulsões que Ana Irla sofreu. A menina passou por exames e acabou voltando para casa, mas os episódios continuaram.
No hospital Albert Sabin, Ana Irla passou por exames, tomografia e concluíram que “não deu nada, mandaram para casa".
A importância da primeira telecirurgia cardíaca
A médica Geni Medeiros é a cardiologista pediatra do Hias, que esteve diretamente envolvida na primeira telecirurgia de cardiopatia congênita realizada em Fortaleza.
Para ela, o projeto soma muito ao serviço, trazendo a expertise de especialistas do Hcor, reconhecida internacionalmente, para complementar a experiência já existente no Albert Sabin.
“Essa parceria (...) veio para melhorar a qualidade da assistência (...) e ampliar a complexidade da assistência que a gente presta às crianças. Desde doenças muito simples até doenças num perfil mais complexo, que requerem uma expertise maior. E para adquirir essa expertise, parcerias como essa são muito importantes”, comenta Geni.
Ana Irla foi escolhida para ser a primeira paciente da telecirurgia de cardiopatia congênita no Ceará por razões específicas relacionadas à familiarização com a nova tecnologia e à complexidade de seu caso, conforme a médica Geni Medeiros.
Geni explica que a menina possuía uma cardiopatia chamada comunicação interatrial, que é uma comunicação entre os dois lados do coração.
Embora não seja considerada uma doença "simples", dentro do espectro de complexidade das cardiopatias, ela é vista como menos complexa no campo da cardiologia.
Leia mais
Ana Irla entrou no centro cirúrgico do Hospital Albert Sabin às 8h da manhã do dia 26 de junho, a cirurgia começou às 11h e, às 13h30, ela já estava no quarto, sem tubo e acordada.
Após a cirurgia
"Ela está bem, e tudo bem saradinho por fora", informa Antônia. Ana Irla "não sentiu mais nada" após a cirurgia.
A mãe destaca a importância da cirurgia para o futuro de Ana Irla. “Para mim, foi bom saber que a minha filha vai crescer. (...) Ela é uma pré-adolescente ainda, mas ela vai chegar aos 15 e aos 18 anos, boa, conseguindo andar, caminhar, andar de bicicleta, fazer tudo que uma jovem da idade dela faz. Porque se não tivesse feito a cirurgia, ela não teria como fazer isso”, completa Antônia.
Quando questionada sobre sua sensação após a cirurgia, Ana Irla respondeu que era uma "vida nova". Ela também confirmou que está "bem" agora.
O Hospital Infantil Albert Sabin é um centro credenciado pelo Ministério da Saúde e atua há 20 anos no Ceará.
É o único serviço de cirurgia cardíaca pediátrica no Ceará inserido em um hospital pediátrico, o que permite uma assistência global ao paciente, abrangendo diversas especialidades como nefrologia, pneumologia, neurologia e cirurgias pediátricas não cardíacas.
Como funciona o projeto inovador que opera crianças à distância?
A gerente de inovação do Instituto do Coração, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Rosangela Monteiro, 54, compartilha detalhes sobre a implementação e o desenvolvimento da plataforma de Teleorientação do Ato Cirúrgico (TAC).
Ela explica que a plataforma foi desenvolvida durante a pandemia de Covid-19 devido à dificuldade de mobilidade e leitos restritos, buscando uma alternativa para ajudar hospitais à distância.
A plataforma TAC foi desenvolvida inicialmente no InCor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e agora está em fase de transferência de tecnologia e uso dentro de um projeto mais amplo com o HCOR, sob o Proadi-SUS.
O Incor, como um hospital com grande volume de atendimento a crianças com cardiopatia congênita e muita experiência, desenvolveu essa plataforma para compartilhar conhecimento, de acordo com Rosangela.
O projeto inicial foi de pesquisa, validado em 50 casos no SUS, e agora integra-se a um projeto assistencial mais amplo dentro do Proad-SUS, que acompanha a criança desde o diagnóstico até o pós-operatório.
Para a validação da plataforma no InCor, foram realizadas 50 cirurgias em três hospitais: Maranhão, Minas Gerais e Paraíba.
Maranhão foi o primeiro centro onde realizaram telecirurgias. Na nova fase do Proad, em parceria com o HCOR, já foram realizadas três cirurgias: duas em Manaus e uma em Fortaleza.
Na prática, o projeto apoiará, remotamente, instituições do Norte e Nordeste no diagnóstico e na realização de cirurgias de cardiopatias congênitas por meio do SUS, porque são áreas do Brasil com mais vazios assistenciais, onde havia maiores filas de espera para crianças.
Os hospitais selecionados no Ceará, Amazonas e Pernambuco contarão com a transferência de tecnologia, expertise e monitoramento dos casos atendidos para ampliar a capacidade de atendimento na Rede de Atenção à Saúde do País.
O Ministério da Saúde indicou os hospitais finais, baseando-se nas avaliações do InCor e HCOR. Foram 17 hospitais analisados em um diagnóstico situacional feito pelo HCOR.
Desse total, três foram contemplados inicialmente para esta fase:
- Hospital e Pronto-Socorro da Criança Francisco Mendes, em Manaus;
- Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), em Fortaleza (onde Ana Irla foi operada);
- Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), em Pernambuco.