Ressonância magnética nuclear ajuda a desmascarar manteiga falsificada
Em parceria com a Universidade Federal do Paraná, Polícia Federal utilizou tecnologia de ponta para investigar fraude alimentar em laticínios. Entenda como
08:00 | Nov. 22, 2025
Um dos tipos mais perigosos de fraude alimentar é a adulteração de alimentos. Seja com informações erradas ou até mesmo ingredientes diferentes, essa prática traz riscos à saúde do consumidor que está sendo enganado.
No Brasil, caso recente envolveu a adulteração de laticínios, principalmente manteigas vendidas em supermercados.
Em operação realizada em Minas Gerais, a Polícia Federal apreendeu lotes de uma marca de manteiga sob suspeita de adulteração. Para descobrir se o alimento havia sido adulterado, os peritos se uniram a cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que utilizaram diferentes tecnologias de ponta para auxiliar na investigação.
Um total de 20 amostras foi apreendido, junto a matérias-primas como óleo de palma e aromatizantes encontrados nos locais de produção, sendo levadas ao Laboratório Multiusuário de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) da UFPR para análise.
A principal ferramenta utilizada na investigação foi a espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear (RMN), técnica que funciona como uma espécie de “impressão digital química”. Ela analisa a composição química de qualquer material e revela seus componentes, sendo ideal para detectar adulterações.
“Empregando a técnica de RMN e de análise isotópica (que identifica a composição de substâncias pela proporção de isótopos presentes), averiguamos que as amostras a serem comercializadas estavam adulteradas pelo emprego de materiais como óleo vegetal e aromatizantes”, diz Leice Novais, autora principal do estudo.
No Brasil, legalmente, a manteiga só pode conter gordura láctea. Por isso, a aplicação de Ressonância Magnética Nuclear, técnica que permite analisar a composição química de qualquer tipo de amostra ao ponto de conseguir provar se uma batata é ou não de produção orgânica.
“Qualquer tipo de adulteração, falsificação ou alteração, como no caso da manteiga, corresponde à prática de procedimentos não controlados, sem garantias, podendo colocar em risco a saúde humana”, diz o perito da Polícia Federal Ricardo de Oliveira Mascarenhas.
Para uma contraprova, a equipe do laboratório recorreu a uma segunda técnica: a Análise de Razão de Isótopos Estáveis de Carbono (SCIRA), realizada no Instituto Nacional de Criminalística (INC), em Brasília.
O método utilizado consegue identificar informações sobre a dieta do gado. O gado brasileiro é alimentado principalmente com plantas do tipo C4, como pastagens tropicais, que deixam uma marca isotópica específica no leite e na manteiga.
Já os óleos vegetais, como o de palma, vêm de plantas do tipo C3, com uma assinatura completamente diferente.
A partir do resultado, verificou-se que as manteigas comerciais de referência apresentaram a assinatura isotópica esperada para produtos lácteos brasileiros, enquanto as amostras apreendidas tinham valores consistentes com fontes vegetais puras. Ou seja, haviam sido adulteradas em sua produção.
A conclusão foi reforçada pela Análise de Componentes Principais (PCA), um método estatístico que agrupou visualmente as amostras adulteradas, revelando que os produtos fraudulentos continham uma quantidade mínima ou nenhuma de gordura do leite.
Todo o processo da pesquisa “Investigação na fraude da produção de manteiga: um estudo de caso forense de associação criminosa” foi publicado na revista científica internacional Food Additives & Contaminants. O projeto é fruto da colaboração entre a UFPR e a Polícia Federal, que culminou na criação do Centro de Ciências Forenses (CCF) em 2020.
“Somos o primeiro e único CCF na configuração que temos. Reunimos 15 grupos de pesquisa de áreas diferentes, que vão desde a autenticação de obras de arte até a identificação de novas substâncias psicoativas”, diz a pesquisadora Caroline D’Oca, docente do Departamento de Química da UFPR e uma das supervisoras do trabalho.