Do decreto à brincadeira: a origem do Dia da Criança no Brasil
Saiba como a data se popularizou entre as crianças e os responsáveis, integrando o imaginário (e o consumo) do País
08:00 | Out. 11, 2025
Quando o Dia da Criança surgiu, o advogado e ex-presidente Arthur Bernardes estava longe dos primeiros anos da infância, vivida em Viçosa, Minas Gerais.
Com a assinatura de Bernardes, em novembro de 1924, uma data dedicada às crianças brasileiras foi definida: 12 de outubro. Era então instituído o decreto a “Festa da Criança”.
A ideia, informa o Arquivo do Senado, foi originada a partir do 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância e do 3º Congresso Americano da Infância, ambos realizados no Rio de Janeiro.
Nas estatísticas expostas pelo Censo de 1920, o Brasil era o segundo país do mundo com a maior quantidade de jovens e crianças de 0 a 14 anos, superado apenas pela Espanha. Mas, sob a Constituição de 1891, nenhuma referência expressa à proteção dos menores era citada.
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Popularização da data
Apesar do Decreto-Lei nº 4.867, assinado pelo presidente do País em 1924, o Dia da Criança se consolidaria apenas em meados de 1960 como a celebração conhecida atualmente.
O movimento foi impulsionado durante parceria da fabricante de brinquedos Estrela com a marca Johnson & Johnson. A ação, que procurava expandir a venda de produtos, foi chamada inicialmente de “Semana do Bebê Robusto”, mas reforçada por meio da campanha “Bebê Johnson”.
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A iniciativa também lembrava os “concursos de robustez infantil”, promovidos no País durante o início do século XX pelo médico Carlos Arthur Moncorvo Filho. O profissional de saúde foi considerado um defensor da assistência médico-social à criança brasileira de baixa renda.
De acordo com artigo sobre a atuação de Moncorvo Filho e dos modelos de assistência à infância, publicado pelo professor James E. Wadsworth (Stonehill College), “os concursos apresentavam um ideal médico e racial para a saúde, vigor e beleza”.
“Os Concursos de Robustez também tentavam impor concepções de saúde infantil provenientes das elites, incentivando as mães pobres a se conformarem à condições de higiene que elas dificilmente poderiam colocar em prática”, relata Wadsworth.
Marcos na proteção à infância
Para a defensora pública Noêmia Landim, supervisora do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública à Infância e Juventude (Nadij), os grandes “divisores de água” na proteção à infância no Brasil foram a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Essas legislações permitiram o surgimento de novas políticas públicas de convivência familiar, conselhos tutelares e um sistema de justiça especializado para proteção de crianças e adolescentes”, destaca.
É na Carta Magna brasileira que o “dever da família, da sociedade e do Estado” em relação às crianças e aos adolescentes é citado, no artigo 227. A legislação prevê “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Os jovens também devem estar a salvo “de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Já o ECA, sancionado em 1990, é considerado um marco legal, promovendo a dignidade da criança e do adolescente como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Outro aspecto na consolidação dos direitos das crianças no Brasil foi a Lei de Assistência e Proteção aos Menores, ou Código de Menores, consolidada em 1927. A legislação foi revogada pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, responsável pelo ECA.
No mesmo ano em que o Dia da Criança foi instituído no Brasil, em 1924, a Liga das Nações adotou a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança. Em seu conteúdo, a necessidade de proteger as crianças foi ressaltada, “independentemente de qualquer consideração de raça, nacionalidade ou credo”.
“Eu vejo uma mudança profunda na forma como a sociedade brasileira enxerga a infância. Atualmente, a criança é reconhecida como sujeito de direitos, ou seja, alguém que precisa ser ouvido, protegido e respeitado em toda sua integralidade”, afirma Noêmia Landim.
A defensora acrescenta que, apesar do avanço em termos de legislação, os desafios persistem em relação aos direitos de crianças mais vulneráveis e invisibilizadas.
Dia da Criança ao redor do mundo
Enquanto a data comemorativa no Brasil deve movimentar cerca de R$ 16,73 bilhões em 2025, de acordo com a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), o Dia da Criança não é uma unanimidade ao redor do mundo.
O Dia Mundial da Criança, por exemplo, oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU), é celebrado no dia 20 de novembro. A escolha é uma referência à data de adoção da Declaração dos Direitos da Criança e também da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Já 1º de junho representa o Dia Internacional das Crianças, em homenagem à Conferência Mundial para o Bem-estar da Criança, ocorrida na cidade suíça de Genebra, em 1925. A data é celebrada em diversos países, como Portugal, China e Rússia.
No Paraguai, o Día del Niño, em 16 de agosto, é uma homenagem às crianças-soldado mortas durante a Batalha de Campo Grande.