Crise causada pela pandemia pode levar à falência quase 2 mil restaurantes no Ceará

Representantes da área acusam governo de agravar dificuldades; especialista rebate e defende uma recuperação gradativa do setor

13:39 | Jul. 16, 2020

FORTALEZA, CE, 11-07-2020: Movimentacao do retorno de funcionamento dos restaurantes nos fins de semana apos a nova fase de reabertura economica na cidade. Em destaque, circuacao de clientes e funcionarios em churrascaria, com as medidas de distanciamento e uso de EPIS. Cantinho do Frango, Dionísio Torres, Fortaleza (foto: Barbara Moira)

Com as atividades suspensas ou restritas no Ceará desde março deste ano, o setor de alimentação fora do lar vive uma crise que já teve como resultado a falência de estabelecimentos antigos no Estado. Segundo balanço da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Ceará (Abrasel-CE), as consequências da pandemia podem continuar mesmo com a retomada econômica, fazendo com que cerca de 1,8 mil restaurantes de Fortaleza fechem definitivamente suas portas.

O número, segundo órgão, representa 30% do total de 6 mil estabelecimentos desse porte que existem na Capital. Obedecendo documento Estadual, os restaurantes seguiam funcionando apenas por meio de delivery (entrega rápida) até a segunda fase do plano de retomada econômica, no dia 22 de junho, em que passaram a funcionar presencialmente apenas das 9h às 16 horas. 

Esse horário também foi o estipulado pelo governo para que barracas de praia voltassem a funcionar, nessa segunda-feira, 13. Apesar de registrar alguns picos de aglomerações, o primeiro dia de reabertura de alguns desses estabelecimentos teve um movimento inferior ao que era observado antes da pandemia, de acordo com registros feitos pelo O POVO.

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Fátima Queiroz, presidente da Associação de Empresários da Praia do Futuro (AEPF), se mantém positiva mesmo com a pouca movimentação de frequentadores. Ela afirma que o público está voltando de forma gradual, mas pontua que nem todas as barracas estão funcionando, por falta de recursos.

Para driblar as dificuldades, a presidente afirma que os estabelecimentos que voltaram com suas atividades estão pensando em realizar ações para atrair o movimento. Uma delas será a celebração do tradicional “Dia do Caranguejo”, comemorado às quintas-feiras, em período diurno.

Ao contrário da presidente, Antônio Alves, diretor do Sindicato de Restaurantes, Bares, Barracas de Praia, Buffets e Similares (Sindirest-CE), se mostra preocupado com a forma como barracas e demais serviços do setor de alimentação fora do lar estão reagindo. De acordo com Alves, os restaurante já apresentam resultados negativos e estão vendendo apenas de 20% a 25% do que era comercializado antes do isolamento.

Esses estabelecimentos podem voltar com o funcionamento noturno na fase 4 do planejamento econômico, no entanto, bares devem seguir fechados. A decisão, divulgada pelo governador Camilo Santana nesta quarta-feira, 15, é considerada por Antônio como uma agravante que pode fazer com que a previsão da Abrasel se legitime.

“É uma decisão complicada porque às vezes é difícil distinguir um bar de um restaurante. Já são quatro meses sem funcionar. Tem empresas, como bares e pizzarias, que têm o maior movimento a noite e para elas não existe a menor possibilidade de se manterem só pela manhã ou continuarem fechadas”, aponta Antônio.

O representante ainda defende que já estão ocorrendo aglomerações no Estado, classificando como “descabido” da parte do governo não liberar bares. Para Antônio, esses estabelecimentos promoveriam medidas sanitárias e não apresentariam, dessa maneira, risco à saúde dos clientes.

Procurado pelo O POVO, o Governo do Estado frisou que permitiu a reabertura de algumas atividade do setor de alimentação fora do lar, de forma gradual, já nas primeiras fases do plano de retomada do comércio. Em relação a exclusão de bares na etapa 4, o órgão pontuou que a decisão foi tomada após análise do comitê de saúde.

A equipe, comandada pelo secretario da Saúde, Dr. Cabeto, acompanha os movimentos de aglomerações e se baseia em estudos e em relatórios para tomar decisões, como avançar ou não as fases do planejamento. Nesse contexto, o Governo alega que não achou viável autorizar a reabertura de bares, ainda que esses estabelecimentos possam promover medidas de higiene. 

O culpado pela crise

Enquanto o diretor do Sindirest-CE aponta as determinações do Estado como agravantes da situação econômica pela qual o setor vive, Ricardo Coimbra, presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), afirma que a pandemia é a verdadeira culpada pelo momento difícil.

“O decreto é um reflexo daquilo que estava acontecendo”, diz Ricardo, que ainda pontua que as decisões tomadas no plano de retomada são feitas a partir de um processo ríspido de análise e que, antes de olhar para a economia, “é necessário olhar para a saúde das pessoas”.

Coimbra rebate Alves e afirma que o funcionamento noturno de restaurantes nesse momento, assim como a reabertura de bares, promoveria aglomerações que seriam responsáveis por um efeito bumerangue das atividades econômicas do Estado. Uma vez que abriria a possibilidade de uma nova onda da doença surgir e, dessa maneira, a economia do Ceará sentiria um impacto maior.

Quando perguntado sobre o momento presente e o futuro do setor de alimentação fora do lar, Ricardo afirma que restaurantes e demais serviços que chegaram a falir estavam, possivelmente, com problemas financeiros antes da crise ou não conseguiram crédito para se manterem funcionando.

Em uma análise positiva, o especialista afirma que, mesmo com a previsão da Abrasel, existe espaço para uma recuperação gradativa. “Mesmo com o fechamento de restaurantes, a médio e longo prazo essas atividades tendem a surgir novamente. Novos investidores devem aparecer, uma vez que existe muita demanda para esse setor”, pontua.

Fim de uma história

Mesmo antes da retomada econômica, alguns estabelecimentos renomados e antigos no Estado encerraram definitivamente suas atividades. Empreendimentos erguidos e mantidos por décadas, fazendo parte da história de famílias e turistas de Fortaleza, não resistiram ao impacto provocado pela pandemia e deram um ponto final a história que mantinham com a Cidade.

Confira alguns estabelecimentos que encerraram suas atividades:

Alfredo, o Rei da Peixada

Fundado em 1958 por Alfredo Lousada de Sousa, o restaurante Alfredo, o Rei da Peixada, foi pioneiro em pratos de frutos do mar, especialmente a conhecida peixada cearense. Em nota divulgada na última semana, os responsáveis anunciaram o encerramento das atividades do estabelecimento, com localização na Beira Mar.

Mambembe

A Rua dos Tabajaras, na Praia de Iracema, perdeu uma de suas principais atrações em abril deste ano, quando o tradicional bar Mambembe anunciou que encerraria suas atividades. Em comunicado, a casa afirmou que continuaria trabalhando apenas com produções culturais, garantindo que encontraria maneiras de fazer com que o estabelecimento não fosse esquecido.

Boozer's Pub

Com seis anos de história na Capital, o Boozer's Pub, localizado na Aldeota, ao lado da Receita Federal, também não resistiu aos impactos econômicos e anunciou o encerramento de suas atividades. O comunicado da equipe foi feito em abril, quase um mês após o decreto de isolamento paralisar atividades.

Floresta Brasil

Também em abril deste ano, o bar, restaurante e pizzaria Floresta Brasil confirmou ao jornalista Jocélio Leal que não abriria mais as portas. Em carta, responsáveis pelo estabelecimento, localizado na Varjota, afirmaram que seria difícil manter a estrutura do espaço no cenário pós crise.