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Direito e Literatura

00:00 | 29/06/2019

A personagem que inspirou esta crônica, Elena, teve a coragem de ir à justiça para reclamar do marido Pedro Pedreiro que não estava mais correspondendo aos seus anseios de carinhos e malícias nas madrugadas quentes do sertão. A promotora, acostumada à vida nas pequenas cidades do interior, não só recebeu a denúncia como chamou o tal senhor para apresentar sua versão dos fatos. Era o jeito.

O problema é que o trabalho de pedreiro era cansativo demais, ele disse, incompatível com a sede de paixão de sua esposa. Ela queria todos os dias, sem falta. Mesmo que ele tivesse carregado um número incontável de sacas de cimento, de noite ele tinha a obrigação de estar disposto.

A solução para o caso foi fazer um acordo judicial, por escrito. Ele precisaria cumprir ao menos três vezes por semana. Se recusasse, a mulher mostraria o papel, cheia de razão. Maria saiu da audiência de conciliação feliz, resolvida, altiva. Agora sim, a vida teria mais gosto. O marido não ficou contente: Doutora, isso aí obrigado é ruim demais, suspirou Pedro Pedreiro, na casa do sem jeito. Parece que ele acabou acostumando e viveram felizes para sempre, já que ela nunca mais voltou para reclamar. Ou Elena resolveu de outra forma, nunca saberemos.

O maior desafio de um ficcionista é superar a realidade. Nunca será possível. A história de Elena e Pedro Pedreiro é verdadeira (com os nomes modificados, é claro). Ouvi de uma aluna do Mestrado em Direito e Gestão de Conflitos da Unifor, onde sou professora. Escritores e profissionais de Direito tem a palavra como matéria prima do seu trabalho. Precisamos uns dos outros. Eles me ensinam sobre a vida e eu divido o que sei sobre os meandros da linguagem, os recursos narrativos que tornam a comunicação e os relacionamentos mais eficientes.

Meus alunos e alunas sabem muito mais que eu sobre as transposições dos limites de humanidade. Carregam um sem número de experiências com o público, com a vida direto na carne, na veia. Escolhi uma história engraçada para ilustrar a crônica, mas na vida de juízes, promotores, procuradores e outros profissionais do mundo do Direito passam situações dramáticas. Outro aluno contou da sua dor ao cumprir uma ação de despejo de uma família que não tinha para onde e acabou morando em uma casa abandonada sem teto, em tempo de chuva.

A Literatura ensina muito, principalmente a aprofundar o olhar para questões que a vida real não consegue dar conta. Construímos, juntos, uma ponte entre Literatura e Direito para melhorar o mundo ao nosso alcance. Ciência e Arte, prática e pensamento. Somos personagens de uma narrativa insólita, navegantes à deriva. A Literatura pode ser bússola, margem e destino no nosso mar infinito de palavras.

Usando a palavra como recurso de transformação e alegria, ampliamos a possibilidade de enxergar, encontrar soluções, dar pequenos passos e às vezes até rir um pouco desse espetáculo de horrores e espanto que é a vida.

Socorro Acioli