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Sete minutos

01:30 | 08/06/2019

Uma motivação, um papel ou tela em branco, todas as palavras de um idioma e sete minutos para escrever. Aprendi com a professora Lorena Sales, certificada pela Amherst Writers Association, uma nova possibilidade de criação. Acionei o tempo para construir um texto no limite determinado e é sempre um medo, um risco e um sonho fazer algo assim, quando relógio empurra a gente contra a vontade - ou em direção à vontade, nunca sabemos.

Antes de começar é preciso definir qual será a motivação do texto e no momento tenho várias. Pode ser uma obra de arte, um perfume, uma canção, objeto, sabor. Estou na casa de um grande amigo, o Alexandre Vidal Porto, que tem me ensinado a entender que a vida é essa sucessão de dias tolos: alguns exigem luta, outros a gente doma, suaviza, embeleza. Ele faz a vida ser bonita ao seu redor. A minha vida, inclusive. Ouvir Alexandre por sete minutos já foi capaz de mudar minha vida, várias vezes.

Suspeito que eu precise de setenta vezes sete minutos só para decidir qual será o centro do meu texto. Uma garrafa indiana pintada, uma xícara do Athos Bulcão, o infinito descontruído da Tomie Ohtake, os Samicos da sala, o cheiro do Santa Maria Novella. Com tantas opções eu faria um livro inteiro.

Eu poderia escolher uma música também. Escutar concentrada e deixar que ela diga, através de mim, suas razões de existir. O Alexandre gosta do disco de samba da Adriana Calcanhotto, mas também ama o mais recente da Elza Soares. Também seria uma escolha difícil, sempre injusto eleger o melhor. Não vai funcionar. Se a Lorena estivesse assistindo à minha tentativa diria que estou racionalizando o processo, desfazendo o centro do conceito de deixar que a motivação me transporte.

Portanto se você praticar isso eu já sugiro obedecer à Lorena, porque fui rebelde. É prudente escolher antes e muito bem a inspiração porque estou aqui refletindo muito sobre o que pode caber em sete minutos. O tempo talvez seja meu maior objeto de reflexão e inspiração desses dias em Brasília. Porque estou aqui e vejo a cidade como se fosse 1977, como se o passeio que vou fazer daqui a pouco, até a 210 Sul, pudesse realizar a coisa que eu mais queria na vida: conversar com minha tia Adalgisa. Se Borges falou com ele mesmo eu imagino que eu possa dizer para ela tudo o que eu quiser e ouvir o que espero. A literatura é meu poder de transpor.

Aqui ao meu lado está um dos livros de poemas mais bonitos que vi na vida: O livro dos Jardins, da Ana Martins Marques. Em Um jardim para Orides ela diz: quem tem um jardim/tem um relógio/ hora da cigarra/hora da rosa. E vai caminhando no vocabulário verde, colorido, silencioso, parece que ela descreve minha sensação mais profunda quando estou aqui: uma criança em um jardim imenso, com rosas e cigarras ao redor.

Fazer poesia é escolher palavras, tomar decisões. Todas as palavras do mundo não cabem em um poema de sete minutos, nem todas as vontades. E os maiores desejos, os inesquecíveis, surgem como dilemas. Meus minutos estão acabando. Meu tempo em Brasilia, também. As melhores coisas que levo daqui , desta vez, não são palavras.

O Povo