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Cantar é mais bonito do que eu imaginava

00:00 | 01/06/2019

Decidi aprender a cantar. Não há nada de pragmático ou urgente nessa decisão. Resolvi cantar melhor para ser ainda mais feliz e isso é muito, é imenso. A vida passa rápido demais, arrasta a gente na travessia do calendário e sem essas pausas é capaz de tudo perder o sentido. Nunca permiti o esvaziamento dos dias e cantar me salva de qualquer precipício.

Sou aluna do Canto da Apá, aprendendo com a cantora e querida amiga Aparecida Silvino. Há anos ela conhece o canto e divide conosco o seu amor pela alquimia da voz, professa a sua fé na música e estamos juntas na mesma louvação. É amor, é filosofia, é alegria. É a melhor hora da minha semana.

A ideia que eu fazia de uma aula assim era algo muito prático: reconhecimento das notas musicais, classificação da extensão vocal, consciência do tom certo de cada música de acordo com o timbre natural, técnicas e controle para fazer bem algo que eu já faço diariamente.

Pois vos digo: é muito mais bonito do que eu pensava. Logo na primeira aula eu chorei. Na segunda, também e acho que será sempre assim. Lidar com as notas musicais é muito diferente do exercício da Literatura pela natureza da matéria prima de cada arte. Enquanto para mim a Literatura acontece pelo raciocínio e intuição, o canto é corpo e emoção. É um choro feliz. Quando eu canto acordo coisas lindas que dormiam na minha alma e eu nem sabia que estavam por ali.

Cheguei no primeiro dia comentando algo sobre o que chamei de "minha voz" e a Aparecida ensinou uma lição muito bonita: voz é ar. O ar não é meu, é do mundo. Dependemos de oxigênio, da entrada e saída pelo nariz e pela boca. Fazemos isso naturalmente, se estamos vivos. Respiramos. Por sorte a natureza teve a benevolência de nos presentear com cordas vocais, um instrumento musical dentro de nós. O ar, quando sai, pode ser música. É uma questão de decisão.

Pois eu decidi respirar música. Transformarei respiração em som o máximo que for possível. Vou aprendendo com a Aparecida a entender a conexão entre música e alma.

A palavra no texto literário tem um caminho específico. Dentro da canção ganha nova vida e isso tem sido engrandecedor para entender mais o mistério da Literatura.

O primeiro exercício de aquecimento foi soprar uma melodia até chegar no mar. Será que chegou? Ou foi o mar que chegou em mim? Cantando eu abro o peito, levanto a coluna, ergo o queixo, fecho os olhos e enxergo muito melhor por dentro. Eu sinto que sou maior, bem maior, quando estou transformada em canção.

Comecei a estudar música aos nove anos de idade e disse que iria para o violão clássico porque não queria cantar. Não era questão de querer, mas pura timidez. Continuo um pouco assim, meu canto será sempre muito discreto: para minhas filhas, antes de dormir, ou para mim mesma, nas horas em que em que sobra ou falta alegria.

Pouquíssimas pessoas no mundo já me ouviram cantar. Mandei reformar o meu violão, tenho planos de compor canções, mas tudo será sempre muito reservado, um prazer secreto. Estou atenta aos perigos: uma cantora pisciana que canta olhando para o mar corre o sério risco de virar sereia.

Socorro Acioli