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Transformai as velhas formas do viver

00:00 | 20/04/2019

Então chegou a Lua Cheia. Feliz de quem se impressiona com isso em dias de tragédia. É necessário olhar para o céu e respirar. Descobri a hora exata da sua condição plena e louvei, como se fosse festa. Abaixo da lua é tudo pequeno. Imenso é saber que um astro nos ilumina, imponente, modificando o curso das coisas, a força das marés, a fome e os segredos dos corações perdidos. Intensa, bela e forte.

Quando vejo a exuberância deste evento lembro do conto do Italo Calvino, A distância da lua. O narrador fala do tempo em que estávamos tão perto dela que era possível ir de barco pelo mar, levantar uma escada e tirar o queijo da lua com uma concha. Difícil que qualquer texto sobre a lua consiga superar esta bela imagem de comunhão do humano com o divino, cenário de mar e luz.

Comecei uma seleção de músicas lunares e parece que não tem fim. Em vários idiomas ela foi louvada, presenteada, observada e ficou definido pela arte que o ápice do amor é ser levado pela mão até ela. Se o Sol é o astro-rei, a Lua deve ser a rainha, a dama das almas.

Dizem os astrólogos que essa temporada de lua cheia será terreno de surpresas porque há, também, a interferência de Urano. Tudo que for planejado vai seguir um curso diferente do traço e tal notícia me parece uma promessa de salvação. Urano tira tudo do lugar. Sabemos muito pouco sobre o curso das coisas, futuro, destino, para confiar no próprio plano de vida. Quando parece que os dias correm sobre trilhos, algo muda completamente a direção, gera vertigem e depois, liberta.

Foi no meio da busca pelas músicas de lua que meu amigo Bruno de Castro falou sobre Melody Gardot, uma cantora e compositora americana que teve a vida transformada por um grave acidente. Aos dezenove anos, enquanto andava de bicicleta, foi atingida por um carro e teve traumatismo craniano, múltiplas lesões, graves prejuízos cognitivos e perdeu a memória.

O diagnóstico dizia que raramente ela conseguiria voltar a andar e seu médico perguntou do que ela mais gostava na vida. Ela respondeu: "música". Ele devolveu com um Imperativo: "siga sua alma".

Assim ela reinventou a vida, a carreira e sim, voltou a andar. Melody adora o Brasil, é fã do Caetano Veloso, morou em Portugal e canta uma das músicas mais intensas e sensuais que conheço, Love me like a river does. O poder do ato de criar é infinito, alcança o território do impossível.

A frase do médico da Melody tem força de lei. Seguir a vontade da alma é a única coisa certa que alguém pode fazer, já que o resto está assim, sempre nas mãos do destino, de Urano, do vento, não sabemos nada. Tudo agora mesmo pode estar por um segundo, disse Gilberto Gil, que sabe ler o livro invisível dos mistérios.

Dizem que a alma fala mais alto na Lua Cheia.

Socorro Acioli