Jacopo Quadri: 'Hoje é mais difícil fazer filmes sobre a política italiana'
No Brasil para a Festa do Cinema Italiano, Jacopo Quadri fala sobre a montagem de "Berlinguer - A Grande Ambição", ficção sobre o líder do Partido Comunista Italiano (PCI) nos anos 1970.
12:55 | Jun. 26, 2025
“É algo milagroso que esse filme exista hoje”, comenta Jacopo Quadri sobre um dos filmes que ele compõe a equipe nesta edição da Festa do Cinema Italiano. Chegando à sua 12ª edição, o evento acontece até a quarta-feira, 2 de julho, de forma itinerante por 23 cidades brasileiras. Em Fortaleza, as exibições acontecem no Cinema do Dragão.
Em entrevista ao O POVO, Quadri compartilha seu ponto de vista sobre a produção de cinema na Itália, especialmente diante de situações políticas ásperas do seu país e do mundo. Dirigido por Andrea Segre, “Berlinguer - A Grande Ambição” traça um paralelo de ficção e documentário sobre Enrico Berlinguer, líder do Partido Comunista Italiano (PCI) durante os anos 1970.
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Como montador, ele pondera sobre a conexão entre arquivo e ficção como forma de contar uma história que, em sua maioria, a Itália desconhece: “Nas escolas italianas não se aprende sobre esse período histórico, o que é muito curioso”.
Quadri já montou mais de 70 filmes apresentados em importantes festivais internacionais, como “Sacro GRA” (Leão de Ouro em 2013), e “Fogo no Mar” (Urso de Ouro em 2016). Trabalhou também com nomes como Bernardo Bertolucci, Paolo Virzi, e a brasileira Laís Bodanzky.
Ele vem ao Brasil como convidado de honra do evento para ministrar masterclass e debates com exibições especiais no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ao todo, serão 11 filmes exibidos no festival, incluindo cópias restauradas dos clássicos “A doce vida” e “8 ½”, de Federico Fellini, “Vermiglio - A Noiva da Montanha", de Maura Delpero, e “Felicidade”, de Micaela Ramazzotti, que também é montado por Quadri.
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Confira entrevista com o editor italiano de cinema Jacopo Quadri
O POVO - Como todos filmes históricos, "A Grande Ambição" tem um recorte específico temporal da vida desse personagem. Como foi para você lidar com esse recorte na montagem? O roteiro escolhe o que contar, mas a montagem também tem esse poder de decisão.
Jacopo Quadri - A parte mais exigente do meu trabalho foi a integração das imagens de arquivo com o que foi filmado em ficção originalmente. Às vezes, havia uma indicação super precisa do que deveria entrar como imagem de arquivo e às vezes apenas estava escrito “imagem de arquivo”. E assim foi preciso um trabalho paralelo de pesquisa e escolha dessas imagens. O filme é histórico mas, ao mesmo tempo, tem a tomada de posição, há o ponto de vista de um diretor que se coloca praticamente dentro da família do Berlinger.
O filme nasceu exatamente da relação de amizade do diretor com uma das filhas do Belinguer. Na primeira cena a gente vê a família descobrindo o que aconteceu com ele na Bulgária, que é substancialmente um atentado que havia acontecido. Esse é um episódio muito importante e pouquíssimo conhecido até mesmo na Itália, e é real. Eu mesmo não sabia desse evento e a gente entende no filme que foi mantido em silêncio e em segredo pelo próprio Berlinguer e pelo próprio Partido Comunista justamente porque, enfim, se um outro Partido Comunista quer te assassinar, é bastante delicado trazer esse assunto à tona.
OP - O filme chega num momento áspero da política mundial, com governos extremistas de volta ao poder na América e na Europa, além de guerras políticas que acontecem à vista. Como você acredita que o filme será recebido nesse contexto?
Jacopo - Acho que o filme chega em um momento ótimo também exatamente por isso, porque efetivamente essa é uma história que é muito próxima da gente e que não é sempre contada. Na China ele vai estrear em quatro mil salas de cinema, o que é difícil de imaginar porque eu penso que o público chinês não necessariamente é um público que eu imaginava que iria super se interessar. Nas escolas italianas não se aprende sobre esse período histórico, o que é muito curioso.
E há também a questão histórica do momento na Itália em que se tende a fazer filmes menos com o dinheiro público e mais de modo privado, como a Netflix ou outras formas de produção. O apoio público nos garantiria, e sempre nos garantiu, uma maior liberdade de criação. Portanto, no sentido da liberdade de criação, no sentido artístico, tendo a pensar que no mundo de hoje seja mais difícil fazer filmes sobre a política italiana. É algo milagroso que esse filme exista hoje porque, de qualquer forma, ainda conseguimos trabalhar dessa maneira.
OP - Como é para você poder vir ao Brasil? Além da realização de masterclass, a oportunidade de estar perto do público brasileiro.
Jacopo - Sobre o Brasil eu estou muito feliz. Eu conheço Campo Grande no Mato Grosso do Sul porque eu fiz uma base lá de trabalho de montagem quando o Marco Bechis filmou “Terra Vermelha”. Em São Paulo, que eu já conheço um pouco, eu espero que me encontre um pouco mais familiarizado e também quero rever amigos. Já no Rio eu não conheço nada e eu quero fazer belas caminhadas, conversar com as pessoas, ver filmes… Por mais curioso que possa aparecer, eu ainda não vi “Vermiglio” e eu quero ver na Festa do Cinema Italiano. Não que eu vá para o Brasil para necessariamente ver filmes italianos, mas já que está na programação, é um filme que eu tenho muita curiosidade. “Vermiglio” foi rodado na região de Trentino-Alto Adige na Itália, uma região montanhosa que eu conheço, mas em um idioma que eu não entendo bem. E é uma diretora muito boa, com um montador muito bom. Quem sabe eu consiga no Rio.
Festa do Cinema Italiano
- Onde: Cinema do Dragão (Rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
- Quando: terça-feira, 1º de julho, e quarta-feira, 2 de julho
- Quanto: R$ 5 (meia-entrada) e R$ 10 (inteira) na terça-feira; R$ 8 (meia-entrada) e R$ 16 (inteira) na quarta-feira
- Mais informações: @cinemadodragao