Performance sensibiliza ao confrontar estigmas de sambistas negras

Apresentada em Campinas na Bienal Sesc de Dança, performance "Minas de Ouro" sensibiliza público ao romper estigmas sobre sambistas negras

15:39 | Out. 02, 2025

Por: Miguel Araujo
Espetáculo Minas de Ouro foi apresentado na XIV Bienal Sesc de Dança, em Campinas; performance rebate estigmas sobre sambistas negras (foto: Marcello Ferreira/Divulgação)

Na praça Bento Quirino, no centro histórico de Campinas (SP), trabalhadores e pedestres de ocasião se surpreendem com adornos dourados em profusão vestidos por mulheres negras que trazem consigo suas histórias e seus anseios. Mesmo sob forte calor, são hipnotizados por seus passos e suas mensagens.

Com placas variadas que remetem às usadas por vendedores de ouro em grandes centros urbanos, elas registram suas resistências e jogos de sentidos. “Vendo ouro” é somente um desses exemplos - aqui, o ouro também são as mulheres. É também o samba. “Eu dependo do samba para ser feliz”, afirma uma delas. O discurso é compartilhado.

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O grupo, afinal, é composto por passistas de origens e idades diversas. Elas apresentam o espetáculo “Minas de Ouro - Experiência nº 2 - Performance Monumento”, com o qual sensibilizam e engajam o público a partir do resgate de suas memórias. Elas visam quebrar paradigmas em torno da mulher negra sambista, ressaltando o poder da manifestação.

A performance integrou a programação da XIV Bienal Sesc de Dança. O Vida&Arte acompanha o evento, realizado em Campinas até 5 de outubro. O festival reúne cerca de 80 atividades, entre espetáculos, performances, instalações e ações formativas, com 18 países e 10 estados brasileiros.

Minas de Ouro: confronto a estigmas sobre sambistas negras

Idealizado pela coreógrafa Carmen Luz, o trabalho reuniu na Bienal artistas do Rio de Janeiro (RJ) e da região de Campinas. A obra confronta o estigma sobre essas mulheres, vistas como “monumentos sexuais”, mas historicamente rebaixadas e silenciadas, como descreve a sinopse.

Os confrontos são evidenciados nas placas que carregam. De “Vendo Ouro” a “Monumento Nacional”, resgatam percepções que tratam o corpo da mulher negra como mercadoria - além de visões fetichistas - e buscam dominar as narrativas.

Na performance, elas compartilham suas trajetórias, enquanto também celebram umas às outras. É formada uma roda em que cada uma vai ao centro quando sua história é reproduzida nas caixas de som. Com sorriso no rosto, sambam e dialogam com o público.

Acima de tudo, porém, se confraternizam. As dançarinas que observam a que está em destaque não hesitam em bradar suas qualidades (“maravilhosa”), pois há união e entendimento de que são mais fortes quando em conjunto.

Minas de Ouro: relatos se cruzam e o samba é felicidade

Para além dos adornos dourados e de seus movimentos, as passistas chamam a atenção pelas mensagens que apresentam. Os relatos se cruzam em suas origens e nas percepções sobre o samba — para todas, é sinônimo de felicidade e empoderamento.

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Além disso, significa a compreensão sobre o próprio corpo, sobre o seu cabelo e a aceitação de si, como exposto por uma das sambistas. “Samba tem disciplina, coragem e a ancestralidade”, evoca.

Discorrem também visões históricas sobre o samba, principalmente pelo viés de estereótipos e preconceitos. É impactante observar como as narrativas têm similaridades - desde dificuldades impostas pela família aos sentimentos derivados do gênero musical.

Minas de Ouro: no fim, tudo termina em samba

Na apresentação, a força de cada uma é emanada por suas histórias, pelas suas danças e, a partir delas, pela hipnose causada em quem passa e decide acompanhar a performance. O cortejo segue por outra praça. Elas que estão no comando. Os outros que devem acompanhá-las, caso realmente desejem saber mais de suas trajetórias.

A performance evidencia as criatividades das artistas. Há dançarinas de idades diversas - 25, 39, 44 e 70 anos, por exemplo -, um mosaico de épocas que deságua no presente. Afinal, continuam aqui, dançando, celebrando e destacando suas resistências.

São bonitas sincronias que compõem o espetáculo. O público também participa do cortejo, seja aplaudindo, segurando por vezes as placas, se deslocando de uma praça a outra ou também dançando. No fim, tudo termina em samba - e não é isso que importa?

Sobre a XIV Bienal Sesc de Dança

Realizada pelo Sesc São Paulo, a 14ª Bienal Sesc de Dança é promovida em Campinas (SP) até domingo, 5. A edição celebra dez anos de história na região.

Quase 80 atividades - entre espetáculos, performances, instalações e ações formativas - compõem a programação.

O festival visa reafirmar a dança como espaço de encontro, diversidade e invenção, com danças cênicas, urbanas, populares, experimentais e comunitárias.

Dezoito países e dez estados são representados nesta edição. 

*Repórter viajou para Campinas a convite do evento