Análise: o cinzel de Rubem Fonseca, por Juliana Diniz

O escritor morreu aos 94 anos nesta quarta-feira, 15 de abril

16:10 | Abr. 15, 2020

Rubem Fonseca ficará imortalizado como um dos mais finos contistas da literatura brasileira. Apesar de ter assinado romances memoráveis da estatura de Agosto, A grande arte e Buffo & Spallanzani, foi na narrativa curta que Fonseca forjou sua identidade como escritor, esmerando-se na artesania de uma literatura policial marcada pela brutalidade urbana.

Seus contos compõem um universo complexo, através do qual Rubem Fonseca apresenta ao leitor, nas entrelinhas dos enredos múltiplos, uma estrutura social atravessada pelas desigualdades e pela aridez na vida das cidades. Apesar da fragmentação sugerida por uma obra cujo alicerce é o conto, há uma linha mestra que atravessa sua produção, tornando-a homogênea: a unidade de tema, estilo e cores, os cenários invariavelmente atravessados por balas e cortes de faca. 

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Graças à riqueza de sua teia narrativa, sua obra não pode ser facilmente limitada ao rótulo de literatura policial. Em estilo limpo, seco e preciso, Fonseca nos apresenta tipos complexos, como o delegado Vilela, no memorável conto “A coleira do cão”. Capaz das maiores brutalidades, Vilela também revela uma faceta compassiva, de revolta contra um sistema que funciona como uma máquina de moer encarcerados.

A humanidade ambígua de tipos como o policial de Fonseca nos parece extremamente familiar em tempos de violência generalizada, quando a crônica das delegacias invade o recinto doméstico através das telas de TV ligadas na hora do almoço. O escritor que deixa um Brasil adoecido e violento não poderia ser mais atual: a linguagem cinematográfica e ágil de Rubem Fonseca continuará a ecoar em suas linhas precisas o reflexo mais brutal de um povo habituado a ver no crime a expressão cotidiana da normalidade.

Juliana Diniz
é escritora, doutora em Direito e professora da UFC