Entenda a briga entre o apresentador Danilo Gentili e políticos bolsonaristas

De 2017, o filme "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola" virou alvo de bolsonaristas no último final de semana. O Ministério da Justiça e Segurança Pública chegou a aumentar a classificação indicativa do conteúdo e a pedir sua suspenção

15:36 | Mar. 17, 2022

O apresentador Danilo Gentili foi acusado de incentivo à pedofilia por uma cena de seu filme; deputado André Fernandes (PL) foi um dos que criticou a obra (foto: Reprodução)

No último final de semana, os humoristas Danilo Gentili e Fábio Porchat viraram alvo de alguns dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Um deles foi o deputado estadual cearense André Fernandes (PL), que acusou os artistas de apologia à pedofilia, por uma cena do longa “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola” (2017). A produção está no catálogo da Netflix e contém uma cena que foi polemizada pelo parlamentar nas redes sociais. Entenda a polêmica:

Filme

O filme  “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola” (2017) foi baseado no livro homônimo escrito pelo ex-CQC, o chamado Custe o Que Custar. A comédia foi roteirizada por Fabrício Bittar, que também dirigiu, Danilo Gentili e André Catarinacho. Ela conta a história de Bernardo (Bruno Munhoz) e Pedro (Daniel Pimentel), que são dois adolescentes e decidem seguir um manual de instruções para instalar o caos na escola. A obra fictícia tem classificação indicativa para 14 anos.

Na produção, Porchat interpreta Cristiano, um pedófilo que tenta abusar dos meninos, mas não consegue. “Vamos esquecer isso tudo, deixar isso de lado? A gente esquece o que aconteceu e, em troca, vocês batem uma punheta pro tio”, sugere o personagem, que também coloca a mão de um dos meninos em seu pênis na cena em questão.

André Fernandes e bolsonaristas

Anos depois, mais especificamente no último domingo, 13, o deputado André Fernandes (PL) e bolsonaristas resgataram o filme para fazer duras críticas ao seu conteúdo. Em seu perfil no Twitter, o parlamentar publicou um vídeo em que reproduz e comenta com indignação um trecho da cena - mas não desde o início, e sim a partir do ponto em que Cristiano fala sobre o tal esquecimento. Ele chamou a atenção para a classificação indicativa do filme - destinada para público a partir de 14 anos - e insinuou que o filme faz “apologia” à pedofilia.

DENÚNCIA GRAVÍSSIMA!
ATENÇÃO PAIS E MÃES! 

Isso não pode ficar impune! Façam a parte de vocês também! pic.twitter.com/0IL61RLgRs

— André Fernandes (@andrefernm) March 13, 2022

O ministro da Justiça, Anderson Torres criticou o filme nas redes sociais. "Assim que tomei conhecimento de detalhes asquerosos do filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, atualmente em exibição na @NetflixBrasil, determinei imediatamente que os vários setores do @JusticaGovBR adotem as providências cabíveis para o caso!!", escreveu em sua conta no Twitter. 

No Twitter, o secretário especial de Cultura, Mário Frias, publicou um trecho do filme, classificando-a como “explícita apologia ao abuso sexual infantil”. Frias ainda disse que o filme seria “uma afronta às famílias e às nossas crianças” e que “utilizar a pedofilia como forma de ‘humor’ é repugnante! Asqueroso!”, segundo escreveu na postagem.

Nesta quinta, após resposta de Danilo Gentili comparado André Fernandes ao vilão pedófilo, o deputado voltou a criticar filme. O bolsonarista afirmou defender o "humor negro e sem o politicamente correto". Sobre postagem de 2012 divulgada pelo humorista, em que André aparece falando sobre pedofilia, o deputado disse ter a "idade das crianças do filme". 

Vale lembrar que Danilo Gentili era admirado e elogiado por bolsonaristas, mas passou a ser alvo de ataque depois de ter iniciado postura crítica em relação ao atual presidente da República, principalmente durante o período de pandemia.

Ministério da Justiça e censura

O Ministério da Justiça e Segurança Pública alterou a classificação indicativa do filme “Como se tornar o pior aluno da escola” de 14 para 18 anos. De acordo com o ministério, a mudança ocorreu em razão do conteúdo da comédia, já que alguns trechos contêm “tendências de indicação como Coação sexual / Estupro (16 anos), Ato de Pedofilia (16 anos) e Situação Sexual Complexa (18 anos)”. Dessa forma, o ministério determinou que o filme deve trazer a classificação de "não recomendado para menores de 18 (dezoito)” .

O @JusticaGovBR , por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, determinou cautelarmente que as plataformas que possuem o filme “Como se tornar o pior aluno da escola” em seu portfólio suspendam sua exibição imediatamente. O não cumprimento resulta em multa diária de R$ 50 mil. pic.twitter.com/lfT1QSehz4

— Anderson Torres (@andersongtorres) March 15, 2022

O Despacho 386 foi publicado na edição do Diário Oficial da União desta quarta-feira (16). Quem assinou o documento foi o secretário nacional de Justiça, José Vicente Santini. O ministério também recomendou que, quando for exibido na televisão aberta, o filme seja veiculado após as 23 horas. A nova classificação deve ser utilizada em todas as plataformas e canais de exibição em até cinco dias úteis.

Apesar de tratar da mudança na classificação indicativa, o despacho não mencionou se segue em vigor ou não a decisão do Ministério da Justiça de determinar a retirada do filme das plataformas de streaming. A pasta havia informado na terça-feira, 15, que, em um prazo de até cinco dias, as plataformas com direitos de distribuição do filme - como Netflix, Telecine, Globo Play, Youtube, Apple e Amazon - deveriam suspender a exibição do filme, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 50 mil.

Defesa de artistas

Diante das várias críticas recebidas, Danilo Gentili respondeu que seu maior orgulho na carreira é ter conseguido “desagradar na mesma intensidade tanto petistas quanto bolsonaristas”. “Os chiliques, o falso moralismo e o patrulhamento: veio forte contra mim dos dois lados. Nenhum comediante desagradou tanto quanto eu. Sigo rindo”, rebateu Gentili. 

O maior orgulho que tenho na minha carreira é que consegui desagradar com a mesma intensidade tanto petista quanto bolsonarista.

Os chiliques, o falso moralismo e o patrulhamento: veio forte contra mim dos dois lados.

Nenhum comediante desagradou tanto quanto eu.

Sigo rindo :) pic.twitter.com/zh4sz2aZcr

— Danilo Gentili  (@DaniloGentili) March 13, 2022

Além de Danilo, o humorista e ator Fábio Porchat - que está na obra - foi alvo da onda de acusações. Porchat não se envolveu de forma constante na polêmica, mas fez questão de ressaltar que a cena critica trata-se de ficção. 

Nesta quinta-feira, 17, Gentili comparou o deputado André Fernandes a vilão pedófilo de filme censurado. No texto publicado no Twitter, ele escreveu: "Ao que parece, o deputado bolsonarista a favor da censura que acusa os outros de apologia a pedofilia é mais parecido com o vilão do meu filme do que eu pensava: posa de super moralista e corretão mas olha o tipo de pensamento que ele não se aguenta e expressa logo cedo".

Ao lado, o comediante resgata um post de Fernandes do ano de 2012 no Twitter. No conteúdo, o parlamentar escreve: " 'Tio o que é pedofilia? 'Vem cá sobrinha senta no meu colo pra eu te explicar'". No Twitter, a publicação do deputado cearense já foi deletada.

Em entrevista ao jornal O Globo, Danilo também diz que o filme vilaniza a pedofilia. "Ela está no arquétipo de um vilão hipócrita que se esconde atrás de um discurso politicamente correto e falso moralista. Qualquer pessoa que assistiu ao filme sabe disso". Segundo o artista, "todos os que assistiram ao filme inteiro não enxergam a mesma coisa de quem assistiu apenas essa cena". Ele destacou que a classificação etária do filme foi definida justamente pela pasta da Justiça.

Empresas não vão retirar filme

O Globoplay e o Telecine classificaram como censura a determinação do Ministério da Justiça e Segurança Pública acerca do filme. A plataforma de streaming afirma, por meio de nota, que não irá retirar a obra de seu catálogo, contrariando a medida estabelecida pelo governo Bolsonaro, nesta terça-feira 15, para todas as empresas do ramo. Até o momento, a Netflix não se pronunciou sobre o caso.

“O Globoplay e o Telecine estão atentos às críticas de indivíduos e famílias que consideraram inadequados ou de mau gosto trechos do filme ‘Como se tornar o pior aluno da escola’ mas entendem que a decisão administrativa do ministério da Justiça de mandar suspender a sua disponibilização é censura. A decisão ofende o princípio da liberdade de expressão, é inconstitucional e, portanto, não pode ser cumprida”, ressaltam as empresas, ao O Globo, por meio de nota.