PUBLICIDADE
Notícias

Presos em Pernambuco têm chave da cela, denuncia ONG

16:07 | 20/10/2015
Relatório da HRW acusa estado, dono de um dos mais precários sistemas carcerários do Brasil, de usar os próprios detentos para controlar a prisão. Segundo a ONG, prática viola Direito Internacional. Em Pernambuco, presos conhecidos como chaveiros recebem as chaves das celas e pavilhões, além de serem eleitos como chefes dos outros detentos pelas autoridades prisionais, alerta a Human Rights Watch (HRW) em relatório lançado nesta terça-feira (20/10). A ONG acusa o estado de Pernambuco de transferir o controle das suas prisões superlotadas aos chaveiros. Segundo o autor do estudo, César Muñoz, o preso escolhido para assumir a função, normalmente, é um condenado por crimes graves, como homicídio, capaz de impor respeito aos outros. O diretor da prisão ou o diretor de segurança de Pernambuco escolhe os chaveiros, é oficial. Dentro dos pavilhões não há agentes penitenciários, então qualquer coisa que aconteça lá dentro, é o chaveiro que controla. Os agentes penitenciários ficam na gaiola, como eles chamam, na parte de fora, diz Muñoz. A ONG explica que o chaveiro recruta outros presos e forma uma espécie de facção ou milícia. O grupo vende drogas dentro do pavilhão, extorque outros detentos e exige pagamento em troca de lugares para dormir. O chaveiro também pode mandar espancar presos ou pedir aos agentes penitenciários que passem uma pessoa para a cela de castigo, por exemplo, conta Muñoz. Em um relato, a mãe de um preso disse ter pago 2 mil reais ao chaveiro por um barraco feitos de madeira ou lençóis para o filho dormir. O jovem, de 20 anos, foi condenado por 4 anos de reclusão por porte de uma quantidade de maconha no valor de 50 reais. De acordo com o relatório, os chaveiros também cobram cotas semanais de entre 5 e 10 reais. Segundo a HRW, o Brasil viola o direito internacional ao permitir a prática dos chaveiros, e ONGs locais já levaram o problema para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão pediu a Pernambuco que elimine os chaveiros, porque, segundo o direito internacional, não pode haver presos com responsabilidades disciplinares sobre outros presos. É responsabilidade do estado proteger os detentos, afirma Muñoz. Superlotação A superlotação é um problema que afeta todo o sistema carcerário brasileiro. Segundo a HRW, as prisões só tem vagas para cerca de 377 mil pessoas, mas abrigam mais de 607 mil detentos, ou seja, cerca de 60% a mais do que a capacidade. Em Pernambuco, a situação é a pior do país: o número de presos é mais do que o triplo do total de vagas. O estado mantém quase 32 mil detentos em cadeias com capacidade para 10,5 mil. Além disso, 59% dos detentos são provisórios. Essa é a media, mas na prisão de Igarassu, por exemplo, são sete presos por vaga. E um suspeito de furto convive no mesmo espaço que um homicida, porque não separam presos condenados que ainda aguardam julgamento, em violação às normas brasileiras e internacionais, afirma Muñoz. Em suas visitas, a HRW presenciou 60 homens dormindo em uma cela com apenas seis leitos de cimento, no Presídio Agente de Segurança Penitenciária Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), no Complexo Prisional do Curado, em Recife. Os presos naquela cela, sem camisas por conta do intenso calor e umidade, vivem espremidos em meio de um cheiro insuportável de suor, fezes e mofo. A maioria dorme no chão duro. Alguns dormem em redes, armadas umas por cima das outras, até mesmo por cima do único vaso sanitário. Um dos presos, que tem de dormir sentado por falta de espaço no chão, se amarra às barras das grades para não cair sobre os outros, diz o relatório. Doenças O ambiente insalubre, sem saneamento e ventilação adequados, além da falta de atendimento médico, favorece a proliferação de doenças. Entre os detentos, a incidência de tuberculose é quase cem vezes maior do que a verificada na população brasileira. Em nota, o governo de Pernambuco, através da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, disse que faz ações preventivas de combate à doença, que incluem a contratação de equipes médicas, aquisição de medicamentos e mutirões. A secretaria não se manifestou sobre os chaveiros, mas assumiu a responsabilidade de manter a ordem das unidades e que vem tomando medidas para coibir a subordinação de um preso a outro. A secretaria declarou ainda que não recebeu o relatório da ONG: O governo reconhece a necessidade de melhorias na área e vem encarando com prioridade e responsabilidade sua atuação, que não será tutelada por organizações sociais. Avanços A HRW identifica como um avanço a decisão do Supremo Tribunal federal de implementar as audiências de custódia em todo o país. A medida estabelece que um suspeito deve ser apresentado a uma autoridade judicial até 24 horas após a prisão em flagrante. O juiz deve avaliar, então, se o detido poderá responder em liberdade. A audiência de custódia parece se um único instrumento viável a curto prazo de combate da superlotação. Já está acontecendo nas capitais, apesar de resistência de muitos policiais, juízes e ministérios públicos. Então já é uma vitoria implementar o projeto, diz Maria Laura Canineu, diretora da HRW no Brasil. Segundo a ONG, há dificuldades logísticas, mas a audiência de custódia representa também uma economia de recursos para o Estado, ao diminuir o encarceramento. Cada preso custa em média 3 mil reais por mês, então mesmo que seja necessário investir em mais juízes, a audiência é mais econômica e eficiente, afirma Muñoz. Autor: Marina Estarque, de São PauloEdição: Rafael Plaisant
TAGS