O cavalo azul da rainha
Neo-expressionismo ou kitsch? Em cerimônia oficial em Berlim, a rainha foi presenteada com o quadro de uma artista alemã. Sua reação foi de, no mínimo, perplexidade. Mas por sorte o presidente Gauck tinha um plano B.
Será Bad Painting ou é só mal pintado? indaga-se o crítico de arte Mark Hudson, em artigo para o jornal The Daily Telegraph, numa referência a um efêmero movimento artístico da década de 1980. Depois de quase causar uma pane protocolar, um presente oficial do presidente da Alemanha, Joachim Gauck, à rainha do Reino Unido, Elizabeth 2ª, vira assunto não só de piada, como de controvérsia estética.
O objeto em questão é uma tela em acrílico que supostamente mostra a herdeira da Casa de Windsor aos quatro anos de idade, montada num pônei, cujas rédeas são seguradas pelo pai, George 6º. Mais do que a espetacularmente amarela jaqueta do rei ou o rosa-bebê do vestido da futura monarca, chamam a atenção os vários tons de azul do pelo da cavalgadura.
Ao ser presenteada com o quadro em Berlim, na quarta-feira (24/06), a primeira reação de Elizabeth foi de óbvia perplexidade. Por fim, com o proverbial fleugma britânico: "Cor estranha para um cavalo." E, depois de novo silêncio constrangido, seguiu-se a pergunta fatal: "Esse é para ser o meu pai?"
Entra em cena o responsável direto pela escolha da prenda, o presidente Gauck: "Sua Majestade não o está reconhecendo?" A rainha reflete um pouco e responde, implacável: "Não."
"Fique só com o marzipã"
Injustiça. Afinal, a autora da obra, Nicole Leidenfrost, decidiu-se por esse motivo pictórico depois de encontrar na internet uma foto de 1930 que registra a cena familiar-equestre. "Eu a achei comovente", explicou ao jornal online Die Welt. O notório amor de Elizabeth pelos cavalos também a inspirou. E o resto é liberdade artística.
Por que a Alemanha presenteou à Queen esse Leidenfrost, e não um caro Gerhard Richter, Baselitz, ou até Neo Rauch? Fácil: ao contrário dos principais nomes da arte alemã contemporânea, a hamburguesa de 41 anos se cadastrara já há algum tempo no departamento de presentes oficiais do Ministério do Exterior como pintora disposta a encomendas. Gauck gostou de seus quadros de cavalos, ela recebeu o trabalho.
Mais difícil parece explicar sua opção estética: por que o pônei azul? Terá sido por falta de dinheiro para comprar outras tintas como reza a lenda sobre a "fase azul" de Picasso? Ou uma homenagem velada ao grupo expressionista Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul)?
Afinal, a Bad Painting é, justamente, uma vertente do Neo-Expressionismo da década de 1980. E, com suas cores berrantes e traços rudes, o quadro dedicado à rainha tem mesmo características que com um bastante boa vontade se poderia classificar como "expressionistas".
A explicação de Nicole Leidenfrost é bem mais singela: "Ele foi pintado em royal blue azul real porque é o cavalo da rainha." De resto, a otimista pintora não se sentiu nem um pouco ofendida com o incidente em Berlim: "Parece que a situação também divertiu um pouco [a rainha]. Eu, pelo menos, gostei bastante."
Contudo a quase pane em torno da obra que o crítico Mark Hudson sugere se tratar de "uma amostra de kitsch grotesco" trouxe ao menos uma lição útil: quem presenteia a soberana britânica nunca deve deixar de ter um plano B. Com presença de espírito, Gauck sacou da luxuosa caixa de docinhos de marzipã de Lübeck que tinha a postos e disparou: "Well, se Sua Majestade não gosta do quadro, então fique só com o marzipã."
Autor: Augusto ValenteEdição: Francis França