PUBLICIDADE
Notícias

Opinião: Filarmônica de Berlim perdeu parte de seu brilho

12:16 | 12/05/2015
Depois de um longo dia de debates, a sucessão do maestro titular segue em aberto. Ponto negativo para a orquestra de primeiro escalão, e uma ameaça de retrocesso, opina Rick Fulker, da redação de cultura da DW. Quem será o próximo mago dos sons na capital alemã? O cabeludo da Venezuela ou o versátil argentino-israelense? O septuagenário letão ou o franco-canadense quarentão? O resultado provisório foi divulgado: o sucessor de Simon Rattle não será nem Gustavo Dudamel, nem Daniel Barenboim, nem Mariss Jansons, nem Yannick Nézet-Séguin. Tampouco o outro letão de menos de 40 anos, Andris Nelsons, tão adorado pelo público. E nem mesmo o italiano Riccardo Chailly ou o alemão Christian Thielemann, que muitos pensavam ser predestinado para o cargo. Depois de 12 horas de deliberações a portas fechadas, os 124 membros da Filarmônica de Berlim não chegaram a nenhum resultado concreto. Como estão submetidos a sigilo total, é até possível que hajam alcançado um consenso, mas o candidato escolhido tenha rejeitado a proposta. Ninguém sabe. Tal impasse é sem precedentes na história da orquestra. Dizem que democracia tende à bagunça especialmente o tipo de democracia direta praticada pelos berlinenses, em que cada músico tem direito a um voto, exceto o atual maestro titular e diretor geral. O próximo passo, como anunciou o presidente da diretoria Peter Riegelbauer após o longo debate de segunda-feira (11/05), é uma nova eleição ainda neste ano. O atual maestro titular, o inglês Simon Rattle, cujo contrato se encerra em 2018, disse várias vezes que a Filarmônica de Berlim é o trabalho de regente mais difícil do mundo. Também se atribui a ele o comentário de que regê-la é como fazer sexo com alguém de quem não se gosta. Não se trata apenas de uma referência à suposta arrogância berlinense, dentro ou fora da orquestra. O titular desse conjunto musical é também seu diretor musical, arcando, assim, com a responsabilidade total por todas as questões artísticas da organização. Antecedendo a votação, registraram-se entre os possíveis candidatos sinais de rejeição e expectativas amortecidas. Nelsons, atualmente titular da Sinfônica de Boston, declarou que, com 36 anos na época, ainda era novo demais para o posto. Na costa americana oposta, o ainda mais jovem Dudamel prorrogou recentemente seu contrato com a Filarmônica de Los Angeles até 2022, retirando-se assim da competição, aparentemente. Também há pouco Jansons renovou seu contrato com a Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara. E Barenboim deixou claro que não está disponível. Já por duas vezes em sua carreira ele foi preterido na disputa: da primeira vez, a orquestra berlinense preferiu Claudio Abbado; da outra, Simon Rattle. Entre os poucos que não temeram perder prestígio com uma eventual recusa está Christian Thielemann. Embora enfatizando estar perfeitamente feliz com a Staatskapelle de Dresden, ele não faz segredo de que tem grande interesse em trabalhar na capital. Entretanto o berlinense de nascença desperta sentimentos ambivalentes. Por um lado, cultiva um repertório de obras relativamente limitado; por outro, de vez em quando causa mal-estar com suas declarações sobre temas extramusicais. Como, por exemplo, ao expressar uma certa compreensão pelo movimento anti-imigração na Alemanha. Não muito depois do início da era Rattle, 13 anos atrás, veio a público a discórdia dentro da Filarmônica de Berlim. Os tradicionalistas temiam o destaque às obras modernas e contemporâneas dado pelo novo maestro titular, negligenciando assim o repertório-base da orquestra, o clássico-romântico germânico, e tornando irreconhecível a sua sonoridade. Os apoiadores, por sua vez, manifestaram entusiasmo pelos novos caminhos traçados pelo britânico. Com distribuição multimídia de concertos (o Digital Concert Hall) e projetos educacionais e sociais, ele cumpriu a promessa de posicionar a Filarmônica de Berlim no século 21. Mas, o que resta do dia mais emocionante de 2015 para o mundo da música erudita ou, nas palavras de Riegelbauer, desse "festival da democracia orquestral"? Nada além de cacos. Música "made in Germany" é a Mercedes Benz do setor clássico, e neste sentido a Filarmônica de Berlim é tida como o modelo de luxo. Seu posicionamento de marca tem sido muito bem sucedido, em grande parte graças à oferta de concertos na internet e ao selo fonográfico próprio, fundado em 2014. Sua mensagem parece ser: "Podemos fazer ainda melhor", não só em termos de execução musical, mas também de marketing, distribuição e interconexão em rede. Como os Berliner Philharmoniker vão se apresentar no futuro? Eles vão retornar a seu legendário som aveludado e ao repertório clássico feijão-com-arroz? Ou continuarão explorando trilhas inéditas no mundo digital, na sociedade e na música moderna? E o que significou aquele dia da eleição "não fatídico"? Os melhores regentes do mundo foram considerados. Quando se reunirem e votarem de novo, os músicos precisam ter a coragem de escolher "nenhuma das respostas acima". Em vez disso, devem eleger um ou uma regente cujo nome ainda não foi mencionado. Os competidores apresentados até agora sobre cujos nomes não houve consenso, em dois anos de especulação pela imprensa musical saíram todos prejudicados da votação frustrada. Cada um deles sabe agora, pelo menos, que uma parcela considerável da orquestra foi contra a sua escolha. Coisa que transformaria o cargo mais desejado do mundo na música erudita em um emprego miserável. Uma coisa é certa: a marca "Berliner Philharmoniker" perdeu parte de seu brilho. Autor: Rick Fulker (av)Edição: Rafael Plaisant
TAGS