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Após 150 anos historiadores reescrevem a Guerra do Paraguai

08:18 | 01/05/2015
Conflito entre o Paraguai e a Tríplice Aliança foi o maior da América do Sul. Durante mais de um século a historiografia foi marcada por mitos e pelo nacionalismo, hoje revistos pelos pesquisadores. Há 150 anos, Brasil, Argentina e Uruguai se uniam para lutar contra o Paraguai na pior guerra da América do Sul. No dia 1° de maio de 1865 os três países assinaram em Buenos Aires o Tratado da Tríplice Aliança, que traçou a direção do conflito, transformando-o em uma guerra longa e sangrenta. Até o final dos anos 1980 e início dos 1990, a historiografia sobre esse acontecimento partia de uma perspectiva nacionalista ou era baseada em uma visão que considerava o conflito fruto do imperialismo britânico e de seu modelo capitalista. Hoje, graças ao acesso a documentos da época, os historiadores desfazem mitos que se perpetuaram no continente sul-americano desde o fim do conflito. Esse material só se tornou disponível após o fim da Guerra Fria, a queda de ditaduras latino-americanas e abertura de arquivos. Assim, historiadores paraguaios, argentinos, brasileiros, uruguaios, europeus e americanos começaram a reescrever a história da guerra a partir da análise empírica dos fatos históricos, deixando de lado a idealização do conflito. "Esses historiadores ainda são influenciados por ideias e conceitos existentes em seus países, claro, mas, ao mesmo tempo, têm uma formação acadêmica que permite evitar deturpações na análise do passado", afirma o historiador Francisco Doratioto, da Universidade de Brasília (UnB). Análise histórica Recentemente os pesquisadores esclareceram questões controversas sobre a Guerra do Paraguai, como os motivos que levaram Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai a travarem uma luta sangrenta até 1870. "A Guerra do Paraguai pode ser interpretada como o ápice de um processo histórico que vem desde 1820, que é a formação dos Estados nacionais na região", afirma Doratioto, acrescentando que há diferentes interpretações sobre esse aspecto. "Algumas dão mais ênfase à geopolítica, outras abordam processos econômicos, mas não há dúvidas, por parte de historiadores que trabalham sobre o tema, de que a guerra teve causas regionais", reforça. Já a suposta manipulação britânica foi desmistificada. "Não há prova arquivista da participação do Reino Unido. O que havia eram belas ideias, mas sem fundamento histórico", afirma o historiador Thomas Whigham, da Universidade da Georgia. Conflitos na região do Rio da Prata eram comuns no século 19. A Guerra do Paraguai começou com uma intervenção de pequena escala, como tantas outras. Em outubro de 1864, o Brasil invadiu o Uruguai para defender cidadãos brasileiros residentes no país, que enfrentava uma guerra civil. Em retaliação, o Paraguai apreendeu, em novembro, o vapor brasileiro Marquês de Olinda. Em dezembro, o ditador paraguaio Francisco Solano López declarou guerra ao Brasil e invadiu a região do Mato Grosso do Sul. Guerra declarada Em março de 1865, o Paraguai invadiu a província de Corrientes, na Argentina. Essa invasão foi o estopim para a assinatura do Tratado da Tríplice Aliança, que tornou o conflito ainda incerto em uma guerra, com o envolvimento de todos na região. A assinatura do tratado ocorreu no dia 1° de maio de 1865. Por insistência brasileira, o documento estipulava a destituição de Solano López do governo paraguaio, o que limitava as possibilidades de uma solução diplomática para o conflito. "Esse foi o primeiro grande tratado de cooperação entre Brasil e Argentina. Ele representou uma carta de intenção de que as armas não seriam depostas até que o governo de Solano López fosse derrotado", afirma o historiador Vitor Izecksohn, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E, de fato, a guerra só iria terminar em 1870 com a morte de Solano López. O conflito impactou, em diferentes graus e maneiras, todos os países envolvidos. Em âmbito mais abrangente, ele definiu as fronteiras na região. Tragédia paraguaia O Paraguai foi arruinado na guerra. Grande parte da população morreu em consequência da guerra, não somente em combates, mas também de doenças e de fome. Estima-se que o país tenha perdido 90% da população masculina. "Isso faz desse conflito uma guerra moderna com um número grande de civis mortos. Ela foi realmente devastadora para o Paraguai", afirma o historiador Hendrik Kraay, da Universidade de Calgary. Além do custo humano, ela prejudicou a economia do país, acabando com o modelo desenvolvimentista que havia sido adotado pelo governo paraguaio. Para o Brasil, a guerra foi fundamental para a queda do Império, pois o Exército saiu fortalecido e com um orgulho institucional que não existia anteriormente. Ela também endividou o país, o que arranhou ainda mais a imagem da monarquia. O conflito foi importante também para a unificação da Argentina, além de impulsionar sua modernização e seu desenvolvimento econômico. "O caso mais irônico é o do Uruguai, que supostamente foi o estopim da guerra, mas saiu dela mais ou menos como estava antes", afirma Whigham. A memória da Guerra do Paraguai continua bastante presente, principalmente, no Paraguai, mas também na Argentina e no Uruguai. "Os partidos políticos que estão no poder ou na oposição nesses países hoje são os mesmos daquela época. Então no Rio da Prata, a história continua presente na política atual", conta Dorioto. Autor: Clarissa NeherEdição: Francis França
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