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"Minha Casa, Minha Vida" gera exclusão, diz arquiteto

13:55 | 22/04/2015
Especialista em habitação social, Héctor Vigliecca critica programas de moradia que criam "depósitos de prédios" afastados do centro das cidades. Tal separação incentiva confronto de classes, afirma em entrevista à DW. Para Héctor Vigliecca, arquiteto e especialista em habitação social, alguns programas de moradia, como o "Minha Casa, Minha Vida", acabam gerando ainda mais exclusão. O poder público constrói "depósitos de prédios", com o objetivo de atingir metas numéricas, mas sem se preocupar com estruturas que promovam a cidadania, afirma. "Quando damos uma casa que dificulta o transporte, o acesso aos centros culturais, praticamente excluímos esses grandes bairros de habitação do valor da cidade", disse em entrevista à DW Brasil. "Isso vai nos custar muito caro no futuro, porque essa separação é o estopim de um confronto de classes." Conhecido por seus projetos de urbanização e habitação em favelas, o arquiteto uruguaio vive no Brasil desde 1975. Nesta quinta-feira (23/04), ele lança em São Paulo o livro O Terceiro Território Habitação Coletiva e Cidade, que reúne seus trabalhos na área de habitação social. Vigliecca busca conectar as comunidades, social e geograficamente excluídas, com a cidade formal. Para isso, religa vielas sem saída, abre novas ruas e instala elevadores sociais para melhorar a circulação. Seu trabalho inclui desde a drenagem de terrenos até a definição de locais para instalação de serviços públicos, bem como a criação de parques, prédios e pontes que se integrem à favela. Atualmente, o arquiteto realiza projetos como parte dos programas municipais Renova SP (Morro do S4, São Paulo) e Morar Carioca (Morro dos Macacos, Rio de Janeiro). DW Brasil: O que significa fazer boa arquitetura na favela? Héctor Vigliecca: A favela é uma área excluída por várias razões, uma delas é a distância das vantagens da cidade tradicional. Isso não é fácil de corrigir, mas podemos melhorar essa condição. Primeiro, criamos um sistema viário, de conexão e mobilidade, que seja legível, o que é uma condição importante da cidadania. Depois, inserimos elementos novos, de maneira a não excluir o existente, mas coincidir amigavelmente com a favela, compondo o que chamamos de terceiro território. É comum ver ações do Estado, antigas, em que se cometia um erro: as intervenções produziam uma exclusão da exclusão. A ação pública pega um terreno afastado e faz um depósito de prédios. Nós tentamos fazer o contrário, inserir elementos de urbanidade, que transformem aquela área em cidade, para que o habitante perceba que ele não é um excluído. Nós chamamos isso de urbanidade por infiltração. Ainda se faz muito esse tipo de intervenção excludente? Sim, lamentavelmente se faz isso no maior plano de habitação que o Brasil conhece, o "Minha Casa, Minha Vida". Mas, a partir dos anos 1980, houve uma mudança significativa, e as prefeituras começaram a entender que a boa arquitetura e o bom urbanismo são fundamentais. E, além disso, trazem votos. A comunidade assume o projeto, se identifica e se sente valorizada. Então, o "Minha Casa, Minha vida" está baseado num modelo ultrapassado? Não é ultrapassado, é um problema mais filosófico. Eles destinaram dinheiro para conseguir apenas uma quantidade, mas nós não transformamos o déficit habitacional do Brasil apenas atingindo um número. Temos que transformar as cidades. O senhor pode dar algum exemplo? Tem alguns exemplos desastrosos... Fazem enormes conjuntos habitacionais, que custam uma quantidade de dinheiro impressionante. Mas não basta dar uma casa, tem que dar cidadania. E isso abrange outros tipos de condicionantes na hora de projetar. Quando damos uma casa que dificulta o transporte, dificulta chegar aos centros culturais, onde está o comércio e o lazer, praticamente excluímos esses grandes bairros de habitação do valor da cidade. Isso vai nos custar muito caro no futuro, porque essa separação é o estopim de um confronto de classes. Então, houve mais avanços na esfera municipal? Sim, em algumas prefeituras. As próprias escolas de arquitetura começaram a incluir a questão das periferias como um tema de trabalho apenas nos 1970 e 1980. Antes era um assunto de política e sociologia. Eu discordava disso, era como se os arquitetos não tivessem nada para contribuir. E os arquitetos têm muito para contribuir. Como se traduz, na prática, a sua arquitetura nas favelas? Não há fórmulas fixas, porque uma favela em São Paulo é diametralmente oposta a uma no Rio de Janeiro ou em Salvador. Há favelas que estão incrustadas nos centros históricos, dentro da cidade. Então, é diferente, essa favela tem transporte público, hospital, tudo. Elas estão excluídas? Sim, mas do âmbito urbano, o que não é mensurável. Paraisópolis [em São Paulo], por exemplo, tem transporte interno próprio, televisão e rádio locais, mas você entra lá dentro e está em outro lugar, não na cidade formal. Como essa experiência pode ser aplicada em outras cidades do mundo? Todas as cidades têm áreas críticas. Paris e Madri têm, por exemplo. Não se compara à América Latina, em termos de escala, mas há sempre essa problemática dos guetos raciais. Mesmo assim, não há uma solução única. Cada caso precisa de uma reflexão própria. Autor: Marina EstarqueEdição: Luisa Frey
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