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Imigrantes que fugiram da guerra relatam dramas após prisão no Ceará

O POVO Online conversou com os cinco paquistaneses e um afegão - que receberam o habeas corpus na última quinta-feira, 8, e vão responder o processo em liberdade no Brasil

19:32 | 19/10/2015
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A prisão no Ceará do grupo de cinco paquistaneses e um afegão marcou mais um capítulo na saga destes imigrantes, que largaram empregos, amigos e familiares de seus países de origem para buscar uma nova vida longe de conflitos e do sectarismo. Fugindo da guerra e da perseguição dos talibãs - grupo fundamentalista islâmico nacionalista que atua no Paquistão e no Afeganistão - eles foram presos no Porto do Pecém, quando tentavam embarcar, de forma clandestina, em um navio cargueiro com destino ao Canadá, segundo a Polícia Federal.

O POVO Online conversou com os imigrantes - que receberam o habeas corpus na última quinta-feira, 8, e vão responder o processo em liberdade no Brasil - para contar a história, as motivações e o drama vivido pelo grupo. Segundo um dos paquistaneses, que trabalhava em uma companhia financeira americana, ele foi ameaçado pelos talibãs e seu pai acabou assassinado. O trabalho do muçulmano virou uma ameaça para a própria vida.
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"Vivia em uma região de muito conflito. Os talibãs me ameaçaram por causa do meu trabalho na companhia americana", contou.

O paquistanês de 26 anos do grupo também viveu situação semelhante. O trabalho em uma agência de comunicação ligada ao governo do Paquistão se tornou um perigo diante das ameaças dos talibãs. "Se eles sabem que você trabalha para outro grupo, te ameaçam", explicou.

Outro paquistanês – que já está há dois anos no Brasil e que consegue se comunicar em português - explica que os ataques do grupo fundamentalista islâmico contribuem para a dispersão das famílias. "Todos nós tivemos problemas com o Talibã e nossas famílias foram ameaçadas. Eles estão vivendo sob pressão, por isso muitos estão se dissipando para outras regiões do país ou mesmo para outros países. Com a pressão dos talibãs, as famílias precisam entregar suas riquezas", relatou.

Os paquistaneses afirmam que o país sofre com vários conflitos internos e a população acaba brigando entre si. "Qualquer um chega e diz que é do talibã ou do exército do Paquistão. Estão fazendo guerra. Isso está acabando com as famílias e muitos inocentes estão morrendo", argumentou um deles.

O afegão
Mais velho da turma de imigrantes, o engenheiro civil afegão de 33 anos precisou deixar a esposa e seus três filhos após receber ameaças dos talibãs. Ele trabalhava para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), situação não vista com bons olhos pelos fundamentalistas.

De acordo com o engenheiro, além dos talibãs, o Afeganistão sofre com o conflito entre os Estados Unidos e a Rússia. "É uma guerra entre americanos e russos por terras no Afeganistão. Não é só o talibã em si. Alguns se dizem talibãs, mas a guerra está entre os países Estados Unidos e Rússia".

O apaixonado
Diante da guerra no Paquistão, o paquistanês de 25 anos do grupo de imigrantes em Fortaleza teve uma brasileira como grande motivação para sair do seu país e cruzar continentes para chegar ao Brasil. Ele conheceu a brasileira pela internet e se apaixonou.

Há um ano no Brasil, o paquistanês casou com a brasileira e vivia com a esposa em Brasília, até o rapaz ser preso no Ceará. Ele alega – assim como seu conterrâneo que fala português – que apenas acompanhou os outros estrangeiros até o Porto do Pecém, mas que não tinha a intenção de embarcar.

Depois de mais de um mês detido na Unidade Prisional Desembargador Adalberto de Oliveira Barros Leal, presídio conhecido popularmente como Carrapicho, na Caucaia, assim como os outros imigrantes, o paquistanês não vê a hora para reencontrar a esposa, que está grávida de nove meses de um menino. "Estou muito feliz de ter sido libertado e vou ficar ainda mais feliz quando vir a minha mulher", disse. Em um momento de descontração durante a entrevista, um dos paquistaneses brincou com o amigo apaixonado. "Ele liga para ela 10h por dia”, revelou.

Chamados de terroristas
Em português, um dos paquistaneses contou a reportagem como foi o momento da prisão realizada pela Polícia Federal. Segundo o imigrante, policiais federais teriam agido de forma preconceituosa os chamando de terroristas e de 'homens bomba'. "Chegamos ao porto, a Polícia não falou nada para gente, colocou a pistola na nossa cabeça e mandou a gente ficar no chão. Ficaram todos falando que éramos terroristas e 'homens bomba'. Ficamos tristes com isso", afirmou.

De acordo com o muçulmano, os policiais teriam registrado uma ‘selfie’ com o grupo preso ao fundo, referindo-se a eles como terroristas. O POVO Online solicitou um posicionamento da Polícia Federal sobre o caso, mas até o momento não obteve um retorno.

No presídio, os imigrantes afirmam que passaram fome e adoeceram. "Todo mundo ficou muito bravo, não conseguimos dormir. A comida era muito ruim e tinha porco (a religião deles não permite o consumo de carne suína). Tinha muito mosquito, meus amigos ficaram doentes", contou. Um dos paquistaneses teve uma infecção no olho, enquanto outro apresentou manchas na pele.

Situação
O grupo está morando em Fortaleza com o apoio da Pastoral do Migrante e da Paróquia Jesus Maria José, mas pretende retornar à Brasília, onde todos estavam antes da prisão. Quatro deles - antes mesmo da prisão - já tinha entrado na Justiça com um pedido de refúgio no Brasil, portanto, estão em situação regular no país. Outros dois ainda vão protocolar a solicitação.

Eles esperam por uma decisão da 12ª Vara Criminal - responsável pelo caso - para que o grupo possa responder todo o processo em Brasília. Enquanto isso, vão aguardar na Capital cearense. Os estrangeiros explicaram que estão sem dinheiro e recebem ajuda para alimentação e vestimentas da Pastoral e da Paróquia.

O grupo alega que em Brasília será o melhor destino para todos, já que na cidade têm mesquitas e muitos imigrantes do Paquistão e do Afeganistão, além das embaixadas.
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