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Psiquiatra alerta para o risco de medicalização na infância

O I Simpósio Clínica, Ética e Estética coloca em pauta questões como reflexos políticos do autismo, o diagnóstico e a medicalização na infância. Em entrevista ao O POVO Online, o psicanalista Rossano Cabral fala sobre TDAH, a relação entre pesquisas médicas e financiamento da indústria farmacêutica, entre outros assuntos. O evento será realizado entre os dias 20 e 22, na Casa José de Alencar

11:45 | 20/08/2015
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O I Simpósio Clínica Ética e Estética, organizado pelo Centro de Referência à Infância (Incere), promove desta quinta-feira, 20, até sábado, dia 22, na Casa José de Alencar, debates sobre temas contemporâneos que atravessam a clínica em saúde mental. Entre os palestrantes, estão os psicanalistas Luís Eduardo Aragon (SP), Ana Elizabeth Cavalcanti (PE) e Paula Francisquetti (SP).
“Temos que complexificar o sofrimento psíquico, para não cair nos riscos de reducionismos que buscam traduzir apenas uma relação de causa e efeito”, explica o psicanalista Elton Calixto. Assim, estará em pauta, ao longo dos três dias, questões dos campos da arte e política, por exemplo.
O evento celebra e amplia os 15 anos de prática clínica, ensino e pesquisa da equipe interdisciplinar do Incere. “A programação resgata questões com que nos deparamos ao longo deste tempo de existência. Os convidados participaram diretamente da nossa história, ministrando cursos e supervisão, ou são teóricos que nos influenciaram. Esta é uma oportunidade de partilharmos com a cidade essa experiência”, explica Calixto, que compõe com outros oito profissionais, entre psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, o centro de referência.

 

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Medicalização na Infância
Como parte da programação, o psicanalista Rossano Cabral, psiquiatra e professor adjunto do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), fala nesta sexta-feira sobre “Diagnóstico e Medicalização na Infância”, na mesa que divide com a terapeuta ocupacional Ana Karina Fragoso.  
Autor do livro “Somos Todos Desatentos?”, Cabral afirma que a margem de normalidade na infância está se reduzindo. Hoje, estima-se que em diversos países, inclusive no Brasil, entre 10 e 20% das crianças e adolescentes sofrem de algum tipo de transtorno psiquiátrico. E alerta que sem critérios diagnósticos que investiguem as muitas variáveis do humano, é possível que fenômenos sociais e subjetivos complexos estejam se transformando em diagnósticos médicos.
Em entrevista por email, o psicanalista fala ainda sobre a relação “exageradamente íntima” entre a pesquisa médica e o financiamento da indústria farmacêutica. Leia a íntegra.

O POVO Online -  Há estatísticas de quantas crianças e adolescentes sofrem de algum tipo de transtorno psiquiátrico no Brasil?
Rossano Cabral - As estimativas ainda são controversas, mas dados de diversos países indicam taxas de 10 a 20%, inclusive no Brasil. É importante ressaltar que esses números incluem desde problemas mais graves e persistentes até quadros bastante leves e transitórios. Os números oscilam de acordo com variáveis socioculturais e metodológicas - o uso de checklists e questionários costuma produzir números artificialmente mais altos, se comparados com a utilização de entrevistas diagnósticas mais cuidadosas.
 
OP - Quais os transtornos mais comuns?
Rossano Cabral - Na infância, predominam os quadros emocionais, como diversas manifestações de ansiedade, e problemas comportamentais, como distúrbios de conduta ou hiperatividade. Já na adolescência são mais comuns os transtornos do humor, de ansiedade e problemas relacionados a álcool e drogas.
 
OP - A que podemos atribuir o número cada vez maior de diagnósticos de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade(TDAH)?
Rossano Cabral - Há quem pense que o aumento se deva a um aprimoramento dos diagnósticos psiquiátricos. Mas isso não explica a rapidez da expansão do TDAH. Há uma enorme receptividade da sociedade, nos dias de hoje, a explicações que localizam no cérebro a origem das dificuldades de crianças e adultos e que ofereçam respostas medicamentosas a elas. O problema é que o TDAH se transformou num diagnóstico realizado muito apressadamente, antes que sejam investigados outros fatores ligados ao ambiente da criança, e assim se tornou um enorme "guarda-chuvas", no qual acabam cabendo crianças com questões bastante diversas.
 
OP - Somos cada vez mais cobrados a ter uma atenção múltipla. Há uma exigência por hiperatividade. Qual relação podemos fazer entre esse fato e o aumento dos diagnósticos de TDAH na infância?
Rossano Cabral - De fato é difícil isolar diagnósticos como o de TDAH da sociedade na qual ele se dissemina. Não é por acaso que a explosão desse diagnóstico se dá nesse momento onde as demandas sobre a atenção são intensas e ambíguas, pois exigimos que as crianças se mantenham focadas no que lhes é exigido, mas também que tenham a atenção múltipla a qual você se refere. Nem todas dão conta dessa exigência. Mas o que devemos nos perguntar é: isso é sempre sinal de um transtorno psiquiátrico?
 
OP - Em seu livro “Somos todos desatentos?”, o senhor afirma que é preciso entender que o TDAH existe como uma construção e não como um objeto autônomo e autoevidente. Em que contexto essa construção acontece na década de 1990, quando surgem a primeira descrição do transtorno?   
Rossano Cabral - Você pode até dizer que sempre houve crianças mais inquietas e menos atentas, mas a ideia de que isso é um transtorno psiquiátrico chamado TDAH é datada, por isso falamos em construção. O contexto que reforça esse diagnóstico tem relação, de um lado, com mudanças no campo da psiquiatria, que passou a valorizar cada vez mais os fatores biológicos e a intervenção farmacológica, e de outro, com um ambiente social no qual os desvios e insuficiências da atenção se tornam um problema, pois prejudicam a performance, o desempenho, o sucesso, desde a vida escolar até o mundo do trabalho.
 
OP - Corremos o risco de estar transformando em doença o que antes era visto como característica normal da infância?
Rossano Cabral - É possível afirmar que, com a disseminação de novos e velhos diagnósticos - TDAH, transtorno opositivo desafiador, transtorno bipolar infantil, etc -, a margem de normalidade na infância está se reduzindo. Além disso, os critérios diagnósticos de quadros como o TDAH não nos permitem distinguir uma hiperatividade ou desatenção que de fato mereceria ser tida como patológica de outras formas que ocorrem em resposta a fatores contextuais - familiares, escolares, etc. Por isso há o risco de medicalização, ou seja, de transformar fenômenos sociais e subjetivos complexos em diagnósticos médicos.
 
OP - Em que medida o avanço da indústria farmacêutica, a descoberta de novas drogas, influenciam na “descoberta” de novos diagnósticos?
Rossano Cabral - Nas últimas décadas há uma relação exageradamente íntima entre a pesquisa médica e o financiamento da indústria farmacêutica, subordinando a produção de conhecimento e o bem-estar dos cidadãos aos interesses comerciais dessa última. Cada laboratório quer conquistar seu nicho de mercado com uma nova droga, mesmo que ela não represente avanços significativos frente às demais já presentes no mercado. E, claro, é preciso atrelar esse medicamento a um ou mais diagnósticos, o que também explica a proliferação de transtornos nos manuais psiquiátricos desde os anos 1980.
 
OP - A prescrição de psicofármacos tem se multiplicado nas últimas duas décadas. Há um exagero ou um privilégio no tratamento com remédios em detrimento das demais abordagens? Quais os riscos desta situação, sobretudo quando os pacientes são crianças e adolescentes?  
Rossano Cabral - Os psicofármacos, hoje, já estão incorporados ao repertório de recursos terapêuticos disponíveis no campo da saúde mental, mas os pacientes sempre saem ganhando quando eles são usados em conjunto com outras estratégias terapêuticas, como a psicoterapia. O problema é que, no campo da infância, a expansão do uso é mais acelerada que os avanços no conhecimento sobre as substâncias, fazendo com que novos medicamentos passem a ser usados em crianças sem que se saiba exatamente quais os riscos e benefícios nessa faixa etária. A criança fica assim, exposta a efeitos colaterais, é submetida a associações  - nem sempre necessárias - de medicamentos e muitas vezes o remédio permanece por tempo indeterminado, quando geralmente o que se recomenda é o uso temporário.
 
OP -
O livro “Somos todos desatentos?” foi lançado há dez anos. Nesse período o que se avançou no debate em relação ao diagnóstico e medicalização dos transtornos psíquicos?  
Rossano Cabral - O debate sobre medicalização hoje é mais amplo e aberto do que há dez anos, não só porque os diagnósticos e a prescrição de medicações continuam aumentando, mas também porque diversos setores envolvidos se posicionaram publicamente a respeito, a favor ou contra, fazendo com que a discussão chegasse às famílias e às escolas.
 
Serviço
I Simpósio Clínica Ética e Estética
Quando: 20, 21 e 22 de agosto
Quanto: Estudante (graduação)- R$ 280 / Profissional - R$ 380
Onde: Casa José de Alencar
Informações: 3247 1620
 
PROGRAMAÇÃO
 
Quinta-feira, 20
19h às 21 horas – Conferência de abertura com o professor Dr. Sylvio Gadelha (UFC) e Ana Karina Fragoso, terapeuta ocupacional Incere
 
Sexta-feira, 21
9h às 10h30 – Mesa “Diagnóstico e Medicalização na Infância”, com Rossano Cabral, professor doutor UERJ, e Madalena de Queiroz, mestre em Psicologia e Psicanalista
 
10h30 às 11h – lanche
 
11h às 12h30 – Conferência “A cartografia como instrumento clínico”, com Luís Eduardo Aragon, cardiologista, psicanalista, pós-doutor em Psicologia Clínica e autor do Livro “O Impensável na Clínica”
 
14h às 15h30 – Conferência “Clínica, arte e guerrilha: ‘the wall’, ‘the war’”, com Paula Fransicquetti, psiquiatra e psicanalista
 
15h30 às 16 h - lanche
 
16h – 17h30 – Conferência “Winnicott e a psicanálise contemporânea”, com Octavio Souza, psicanalista, professor do Instituto Fernandes Fiueira / Fiocruz e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio
Sábado, 22
9h às 12h – Projeção e discussão do filme “Carne Trêmula”, de Pedro Almodóvar, com Antônio Ricardo Silva, psicólogo e psicanalista, membro do Círculo Psicanalítico de Pernambuco, e Márcio Acserald, professor doutor da Universidade de Fortaleza (Unifor)
 
14h às 15h30 – Mesa “Sujeito em risco, sujeito riscado: autismo, clínica e política”, com Achilles Furtado, professor doutor UFC-Sobral e Elton Calixto, psicanalista
15h30 – Lanche
16h-17h30 – Conferência de encerramento, com Ana Elizabeth Cavalcanti, psicanalista, sócia fundadora do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem de Recife

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