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Nu em público: alguém deve ser penalizado!

O publicitário Daniel Bandeira escreve sobre a reação dos transeuntes diante do espetáculo "Carandiru pra quem". Atores ficaram nus em cena apresentada no pátio do CH1 da UFC

16:45 | 26/06/2015
É curioso que as pessoas ainda se choquem com o corpo nu. Não sei se é um consenso geral, mas pelo menos foi isso que aconteceu em “Carandiru pra quem?”, intervenção urbana apresentada na última terça-feira, dia 23, no Centro de Humanidades 1 da Universidade Federal do Ceará. A ação causou rebuliço nas redes sociais porque, em determinado momento da cena, os atores ficam nus, assim como os vários detentos assassinados no presidido que dá nome à performance.

Dentre os vários comentários indignados, se repetia o clamor por uma tal crime de Atentado ao Pudor que pudesse legitimar seu posicionamento conservador e arbitrário. Talvez estivessem se referindo ao artigo 233 do Código Penal que prevê penalidades para quem praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público. Mesmo sem saber a que escudo jurídico deveriam recorrer, alguns alunos exigiam punição aos envolvidos.
[SAIBAMAIS 1]
Bem, se você considera que expor o corpo nu em uma intervenção artística que não vulgariza nem faz sexualização do mesmo é considerado uma prática de ato obsceno, talvez seja você, amigo, que precisa ser penalizado. Não que lhe sejam necessárias algemas ou grades. Sua penalidade seria a liberdade: a sexual, de expressão, de conhecimento… Sua pena seria dobrada por se manter engessado mesmo tendo acessado uma universidade pública e estar se capacitando (Deus queira que esteja) para alguma coisa.

Mas calma, seu crime não é só seu. São seus cúmplices, e deverão pagar pelo mesmo erro, o Estado e a mídia. O Estado por não cumprir sua parte do acordo e lhe negar educação de qualidade, não valorizar o ensino de artes na sua formação básica e por negligenciar a cultura e a transformá-la em política de entretenimento (no sentido mais restrito do termo). A mídia também deve pagar por espetacularizar o corpo, fazer sensacionalismo para vender mais anúncios, “filtrar” e “adaptar” os conteúdos que você acessa. Sim, todos deverão pagar pela estagnação do desenvolvimento estético, político e ético de nosso país.

Sua pena dobra se você for um daqueles que se veste de altruísta e busca defender a integridade moral das crianças. Se você condenou a performance por ela acontecer em local público que tem acesso de crianças você é duplamente culpado de nossa estagnação.

É óbvio, meu caro, que nossas crianças não podem ser expostas a qualquer ato obsceno, mas conseguir protegê-las totalmente disso lhe dará um certo trabalho. Você precisará destruir qualquer meio de comunicação de massa e aniquilar bancas de jornais que deixam expostas não só revistas eróticas como também aquelas de estética e fofoca que exibem em suas capas mulheres seminuas e a tornam objetos de desejo.

Tenha força, pois ainda precisará educar todos os pais, professores, babás e qualquer adulto que esteja envolvido na criação dos pequenos. Sim, educar essas pessoas é necessário pois não são as crianças que devem filtrar o conteúdo a que estão expostas, e sim os adultos. E, como adulto que você é, tenha pulso em assumir que o problema não está no outro, mas em você. A honestidade irá ajudar no seu julgamento e pode até amenizar sua sentença.

Por fim, espero que você aproveite as liberdades às quais foi condenado para poder refletir sobre seus atos e assim não ferir novamente de forma tão brutal o coletivo humano que tarde e lentamente coloca as asas (e o corpo) de fora. Não se preocupe com sua reintegração à nossa sociedade após o período de penitência, pois lhe esperaremos de braços abertos para que você possa se livrar dos preconceitos e roupas que te amarram.

Daniel Bandeira, 26 anos, formado em publicidade pela UFC, estudante de teatro na mesma instituição e pós-graduando em Gestão de Projetos Culturais
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