Após ameaça de Trump, mais de 70 contêineres param nos portos do Ceará, Pernambuco e Bahia
Empresas dos mercados de cera, mel, rochas, calçados e roupas do Ceará já contabilizam 15 contêineres parados no Porto do Pecém, para esta semana
15:43 | Jul. 11, 2025
As incertezas causadas pela ameaça de Donald Trump em taxar os produtos brasileiros que chegam aos Estados Unidos em 50%, a partir de 1º de agosto, já impactaram em mais de 70 contêineres parados no Brasil, incluindo os portos do Pecém (Ceará), Suape (Pernambuco) e Salvador (Bahia).
Empresas dos mercados de mel, cera, rochas, vestuário e calçados do Ceará já contabilizam 15 contêineres parados no Porto do Pecém, para esta semana, conforme Augusto Fernandes, CEO da JM Negócios Internacionais, empresa de despacho aduaneiro e frete internacional.
Já a Associação Brasileira da Indústria de Pescados (Abipesca) fala em 60 equipamentos no País devido ao encerramento de contratos por parte de companhias norte-americanas. Este total seria equivalente a mil toneladas de pescados.
Augusto Fernandes explica que, embora o tempo de distância daqui para os Estados Unidos seja de seis dias e haja dois navios saindo por semana, se a carga for embarcar daqui a 10 ou 20 dias, o tempo logístico e de desembaraço dos trâmites aduaneiros pode fazer com que as cargas cheguem no dia 1º de agosto, dia imposto por Trump para iniciar a tarifação dos produtos brasileiros.
“A cautela manda aguardar, por que e se aumentar em 50% o custo? O importador lá vai pagar 50% sem a menor necessidade? Ninguém quer arriscar. Estão aguardando se a medida vai entrar ou não. Se o navio embarcar daqui a 10 dias, pode ser que não dê tempo. Em Long Beach, que é o maior porto da costa Oeste, a fila de navios é imensa”, acrescentou.
O tempo de aluguel de contêiner parado (demurrage) é outro risco levantado por Augusto. Após o tempo gratuito de cinco a dez dias, as diárias vão de 150 a 280. Se for refrigerado o equipamento, o valor sobe pouco mais de 50%.
Há ainda o preço de armazenagem, citada pelo empresário como a mais barata do Nordeste e uma das mais do Brasil. Este ocorre por unidade e a cada 10 dias. "Esses são os custos diretos que o importador já tem de cara. Fora o custo da venda, dos estoques e de outros fatores."
Eduardo Lobo, presidente da Abipesca, reforçou, em comunicado ao mercado, que as exportações de pescados pararam no País após o anúncio do aumento de 50% nos impostos pelo governo norte-americano sobre os produtos brasileiros. Acrescentou que quer pelo menos mais 90 dias de previsão para que essa taxa entre em vigor.
Conforme o balanço da associação, atualmente, o mercado norte-americano representa 70% das exportações brasileiras de pescados e mais de US$ 240 milhões de dólares, envolvendo milhares de empregos diretos e indiretos, inclusive afetando pescadores artesanais e a aquicultura familiar.
Para Eduardo, o governo brasileiro deve priorizar a abertura do mercado europeu como alternativa às exportações de pescados. “A morosidade dessa tratativa, em momentos como este, demonstra a importância de reduzir a dependência de mercados específicos para o pescado brasileiro”, frisou.
No entanto, o gestor diz que a Abipesca solicita que o governo brasileiro adote uma abordagem cautelosa e diplomática para resolver essa questão, evitando confrontos ou medidas retaliatórias que agravem a situação.”
No Ceará, há apreensão do setor exportador de pescados. "Obviamente que a taxação indicada vai reverter para os preços possíveis de venda, e refletir, possivelmente, inviabilizando a atividade desde a origem à produção primária", revela Cadu Villaça, presidente do Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe) e diretor técnico do Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca do Ceará (Sindfrio), ligado à Federação das Indústrias do Estado (Fiec), sem citar números de impactos.
"Temos acompanhado atentamente, acreditando no entendimento e na diplomacia. Está claro a desproporcionalidade das economias e consequentemente dos impactos que medidas como estas teriam em um ou em outro mercado. Indicamos pelo equilíbrio e principalmente atenção às indústrias e cadeias produtivas nacionais", complementou.
Empresas falam em cautela, mas calculam prejuízos
Dentre os setores no Estado, a maioria escolhe esperar e ter cautela para anúncios oficiais. O segmento de frutas, por exemplo, ainda se prepara. Por enquanto o impacto não é visto, pois o período de safra ainda não chegou. "A partir do começo de agosto nós teremos embarque já de manga, mas, neste momento, não temos o problema do pescado que está com contêiner parado", disse Luiz Roberto Barcelos, cofundador da Agrícola Famosa, maior exportadora de melão do Brasil.
O presidente do Sindicato das Indústrias de Mármores e Granitos do Estado do Ceará (Simagran), Carlos Rubens Alencar, não vê grande peso da ameaça de Trump no segmento cearense. Ele explica que mais de 70% das vendas estaduais para fora são em rochas no formato de blocos e os principais mercados são Itália e China. Isso acontece porque os EUA preferem comprar os produtos já industrializados.
“Tem 20%, talvez nem chegue a 30% do nosso mercado, que é material que vai para os Estados Unidos. Isso que vai para lá já está paralisado. Os clientes americanos já mandaram informar que tem que aguardar o que vai acontecer concretamente.”
Para Carlos Rubens, é preciso ter cautela, pois ainda não existe documento legal detalhando como a taxação vai ocorrer. “O que temos? Uma afirmação genérica. Uma carta que nem carta foi, que colocou no site.”
“Aproximadamente 60% a 70% de tudo o que o Brasil exporta de rochas ornamentais é com os Estados Unidos. Em valor, isso corresponde a mais ou menos US$ 800 milhões. Enquanto o Ceará exporta, por ano, US$ 10 milhões, nacionalmente, o setor exporta US$ 800 milhões”, explicou o presidente do Simagran.
Em relação a isso, a Associação Brasileira de Rochas Naturais (Centrorochas) manifestou preocupação. “A medida representa um sinal de alerta para o equilíbrio das relações comerciais entre os dois países e atinge diretamente o setor de rochas naturais, cuja pauta exportadora tem nos Estados Unidos seu principal destino.”
Para se ter ideia, em 2024, o mercado norte-americano respondeu por 56,3% das exportações brasileiras do setor, totalizando US$ 711,1 milhões. Desse montante, o Espírito Santo concentrou 82,3%, com US$ 672,4 milhões destinados aos Estados Unidos.
Conforme a entidade, a nova alíquota coloca o Brasil em desvantagem competitiva frente a outros fornecedores internacionais, como Itália, Turquia, Índia e China, que enfrentarão tarifas inferiores, ameaçando o desempenho de mais de 200 empresas exportadoras brasileiras e comprometendo uma cadeia produtiva que gera cerca de 480 mil empregos diretos e indiretos no País.
Procurada, a AP Moller - Maersk, que opera navios com contêineres no Pecém e em outros portos brasileiros, afirmou que ainda é cedo para dizer como os anúncios mais recentes de tarifas afetarão os padrões comerciais a longo prazo. A empresa adotou a posição de acompanhar os clientes.
O POVO procurou a Companhia do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp S.A). Em nota, a empresa informou que, até o momento, não houve solicitação formal de alteração no cronograma da carga de pescados mencionada.
"O Porto apenas é informado oficialmente quando há decisão de manter uma carga em pátio por tempo superior ao previsto, o que, neste caso, ainda não ocorreu."
A Companhia Docas, administradora do porto Federal que fica em Fortaleza, no Mucuripe, informou não haver registro de contêineres ou navios afetados.
Por fim, a Secretaria da Pesca e Aquicultura do Estado foi procurada para saber como acompanham os impactos já levantados da ameaça de Trump. Ainda não houve retorno.