Parecer técnico da UFC questiona EIA/Rima do projeto de Santa Quitéria
A 1ª audiência do Projeto Santa Quitéria, que pretende explorar urânio e fosfato em Itataia, aconteceu nesta terça, 11; veja quais foram os riscos apontados no parecer
22:15 | Mar. 11, 2025
A primeira audiência pública sobre o Projeto Santa Quitéria ocorreu nesta terça-feira, 11 de março, no município de mesmo nome, no sertão cearense. O evento, promovido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), discutiu os impactos ambientais da exploração de urânio e fosfato na mina de Itataia.
Durante a audiência, um parecer técnico elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) foi apresentado, destacando falhas e omissões no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) do empreendimento.
O documento aponta problemas relacionados à emissão de contaminantes atmosféricos, inconsistências no diagnóstico da disponibilidade hídrica e omissões na avaliação dos impactos socioeconômicos na região.
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Parecer aponta riscos ambientais e sociais
De acordo com o parecer, elaborado por mais de 20 especialistas de diversas áreas, as lacunas nos estudos ambientais indicam um potencial de impactos de difícil controle, que podem violar a legislação ambiental brasileira. Entre os principais problemas identificados, destacam-se:
- Falhas na análise da qualidade do ar e possíveis impactos na saúde da população;
- Inconsistências no diagnóstico dos impactos sobre os recursos hídricos da região;
- Omissões sobre os efeitos do empreendimento na fauna e flora local;
- Falta de avaliação adequada dos impactos socioeconômicos para as comunidades afetadas.
O estudo foi coordenado pelas professoras Raquel Maria Rigotto e Maxmiria Holanda Batista, do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, e pelos pesquisadores Rafael Dias de Melo e Lívia Alves Dias Ribeiro, do Núcleo Tramas Trabalho, Meio Ambiente e Saúde.
Segundo a equipe, o parecer aprofunda temas críticos que já haviam sido questionados em tentativas anteriores do Consórcio Santa Quitéria para obter a licença prévia do empreendimento.
O documento foi solicitado por ministérios públicos e deve servir como subsídio para órgãos reguladores como Ibama, Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Ministério do Trabalho e Emprego e secretarias estaduais do Ceará.
Consórcio defende viabilidade do projeto
O POVO procurou o consórcio Santa Quitéria, formado pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Fertilizantes, para se manifestar sobre o parecer. Em nota, foi informado que ainda não foi disponibilizado o acesso ao documento.
"De acordo com o rito do processo de Licenciamento Ambiental, o órgão ambiental ainda deverá analisar o parecer e encaminhar ao empreendedor para esclarecer os questionamentos ou detalhar informações, se julgar necessário. Tão tenhamos acesso aos estudos, também iremos nos manifestar", explicou.
Além disso, foi destacado o reconhecimento da importância deste momento para o processo de Licenciamento Ambiental e que, "o consórcio mantém constante comunicação com a comunidade por meio de uma equipe de relacionamento dedicada e dois escritórios locais (nos municípios de Itatira e Santa Quitéria)"
Durante a audiência, que se estendeu até o fim da noite, o gerente corporativo de Licenciamento, Meio Ambiente, Gestão Fundiária e Direitos Minerários do Consórcio Santa Quitéria, Christiano Brandão, defendeu a viabilidade do projeto.
Ele explicou que o projeto não é comparável com outras iniciativas anteriores de mineração de urânio realizadas no País.
"Como esse projeto possui o urânio associado - o que o INB possui monopólio -, mas tem enorme porção de fosfato, foi necessário que a INB procurasse um parceiro especializado neste tipo de produto que é o fertilizante fosfatado. Então, foi feita uma concorrência pública e a Galvani por ter essa expertise nesta produção, de separar o fosfato de outros elementos, ganhamos essa concorrência e estamos preparando toda essa rota de separação para que tenhamos o fosfato limpo (para produção de fertilizantes) e o urânio limpo (para produção de energia nuclear limpa)", afirmou.
Segundo Brandão, o consórcio projeta o início das operações entre o fim de 2028 e o início de 2029, caso obtenha as licenças prévia e de instalação do Ibama. Ele destacou que a mineração pode gerar desenvolvimento econômico para a região e que o processo de aprovação junto à Comissão Nacional de Energia Nuclear está em andamento.
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Próxima audiência será em Itatira
A segunda audiência pública sobre o Projeto Santa Quitéria está marcada para quinta-feira, 13 de março, às 14h, na Quadra de Eventos São Francisco da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, no distrito de Lagoa do Mato, em Itatira. Além da audiência presencial, haverá um ponto de apoio e transmissão na Escola Municipal Coronel Artur Themoteo, na zona rural de Santa Quitéria.
O debate deve continuar com a participação de entidades públicas, sociedade civil e representantes do consórcio, refletindo os embates entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental no Ceará.
Histórico do Projeto Santa Quitéria
O Projeto Santa Quitéria é conduzido por um consórcio formado pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e pela empresa Galvani Fertilizantes. A mina de Itataia, localizada no município de Santa Quitéria, abriga a maior reserva não explorada de urânio do Brasil. A exploração da jazida está associada à produção de fosfato, utilizado na fabricação de fertilizantes.
Desde os anos 1970, tentativas de exploração foram barradas por critérios ambientais. A proposta atual do consórcio, reformulada desde 2020, prevê um investimento de R$ 3 bilhões ao longo de 20 anos, com a produção anual de mais de 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados, 220 mil toneladas de fosfato bicálcico para suplementação animal e 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio (yellowcake).
Apesar do potencial econômico, o projeto enfrenta críticas, especialmente em relação ao consumo de água. A atividade exigiria cerca de 855 metros cúbicos de água por hora, o que tem gerado preocupação quanto ao impacto nos recursos hídricos locais.
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