Criatividade é chave para pequenos negócios sobreviverem em meio ao isolamento social

Durante a crise, alternativas como delivery e home office precisam ser encontradas para quem pode se adequar. A cafeteria "Descoberta Café", que abriu no Benfica 12 dias antes do primeiro caso de coronavírus ser confirmado no Ceará, precisou de criatividade para se manter ativo

21:25 | Mai. 06, 2020

Por: Lucas de Paula
Após dois anos de estudos, Descoberta Café tinha aberto há 12 dias quando o coronavírus chegou oficialmente ao Ceará (foto: Divulgação)

Com a pandemia do novo coronavírus e, consequentemente, a aplicação das medidas de isolamento social, os negócios acabaram sendo impactados. Entretanto, a situação é mais complicada para os pequenos empreenderes, que sobrevivem diariamente com os lucros da própria empresa e agora precisam achar alternativas em meio a pandemia.

LEIA MAIS | Economista analisa os efeitos da Covid-19 no Brasil

É o caso de Andrezza Vasconcelos e Salomão Santana, que abriram a cafeteria Descoberta Café 12 dias antes de o vírus chegar ao Ceará. O projeto, que fora sonhado por dois anos até ser colocado em prática, passou por muito estudo até ser tirado do papel. “Nesse meio tempo, aproveitamos para conhecer vários cafés de Fortaleza, São Paulo e Recife, e ficamos atentos aos seus pontos fortes. Essa análise nos ajudou a entender bastante sobre o funcionamento de um café, mas o grande aprendizado veio mesmo na prática”, afirma.

Salomão fez curso de barista e chegou a trabalhar por três meses em um café de Fortaleza. Enquanto isso, Andrezza trabalhava oito horas por dia no antigo emprego ao mesmo tempo em que se preparava pro Descoberta. “Fiquei mais focada em analisar os posicionamentos nas redes sociais das cafeterias que nos inspiravam, e a pesquisar também as características dos cardápios, tanto de identidade visual, quanto de conteúdo”, diz.

LEIA MAIS | Desde início da quarentena em Fortaleza, média de pessoas em casa é de 55,6%

Localizado na Rua Waldery Uchoa, no Benfica, após o novo decreto o estabelecimento passou a buscar alternativas para manter o funcionamento. A loja online segue vendendo cafés e acessórios para produzir a bebida em casa só até esta quinta-feira, 7. Depois, eles seguem apenas com as vendas de vale-consumo.

Estamos tentando focar principalmente na transparência com os nossos clientes e seguidores. No começo, quando ainda estávamos analisando o que íamos fazer, fomos sinceros e admitimos que ainda estávamos analisando o cenário e ficamos mais de uma semana sem dar atualizações nas nossas redes. Foi difícil, mas essencial”, afirma Andrezza.

“Nesse momento de fragilidade, temos percebido que as pessoas se identificam muito mais quando admitimos nossa vulnerabilidade, e ficamos felizes de ter essa abordagem mais direta da marca, combina com o que acreditamos. Também focamos em explicar bastante nas nossas redes sobre o mercado de cafés de especialidade, explicitando suas vantagens e a importância de fortalecer os negócios locais”, conta.

Por meio do Twitter, Salomão fez uma publicação explicando a situação e apresentando as promoções. Uma delas consistia em cashback — o retorno do dinheiro — de R$ 8 a quem comprasse pelo aplicativo Pic Pay. Com a repercussão, o número de vendas aumentou consideravelmente. Andrezza e Salomão atribuem o sucesso da divulgação ao fato de terem conseguido sair da bolha deles. “Acredito que foi um conjunto de fatores: além da promoção ser muito boa, o Twitter nos abriu a possibilidade de falar com um outro público, furar a nossa bolha”, afirma Andrezza.

Após o fim do isolamento social e da pandemia, as ideias são inúmeras.

“Tínhamos vários planos que infelizmente foram pausados por conta da Covid-19. Um pontos fortes é que nosso espaço é aberto e com muito verde, possibilitando a circulação de ar. Teremos uma pop-up store, que funcionaria dentro do café e receberá marcas locais por um tempo limitado. Também estamos planejando uma feira que possa agregar mais parcerias. Nosso foco principal após o término dessa crise certamente é criar novos procedimentos em higiene e no acolhimento da nossa equipe”, pontua Salomão.

De acordo com Aécio Alves, doutor em sociologia e professor do curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Cerá (UFC), a criatividade acaba sendo uma aliada para minimizar os prejuízos durante e após a pandemia. “A criatividade vai ter que ficar mais aguçada. Talvez mudar de ramo, um ramo que possibilite a venda por delivery ou entregas nas proximidades da residência ou nos locais onde estiverem funcionando”, sugere.

Segundo ele, o impacto nessa situação é imediato. Com a pandemia e junto a ela o isolamento social, os compradores de produtos de pequenos negócios se retraem. A baixa movimentação de pessoas termina afetando a renda para aqueles que vivem disso. “Para os pequenos negócios não há muita alternativa. Um ou outro consegue estabeleceriam estratégia de delivery. Embora seja um negócio pequeno, com a criatividade termina arranjando formas de vendas por entrega. É uma solução de abrangência restrita. As soluções são locais, onde o pequeno negócio estiver funcionando”, afirma.

Segundo Aécio, os pequenos negócios muitas vezes representam um segmento de mercado voltado para famílias de baixa renda e por isso esses empreendedores são bastante impactados. As famílias de baixa renda que são os potenciais compradores, por desemprego ou atividades que exerçam, têm que reduzir suas despesas e compras. Isso é causa um prejuízo direcionado, que afeta os pequenos negócios. “A renda diminui, daí por isso existe uma ajuda, um auxílio emergencial que o governo criou pra essas pessoas que tiveram suas rendas reduzidas”, afirma.

Para outros serviços, como agências de comunicação, o home office é uma opção é pode ser aplicado. É o caso de Entre Pontos Comunicação, que possui seis funcionários e não viu os lucros serem abalados em meio a pandemia.

A empresa, fundada por Mayla Nascimento e Nayara Oliveira, já atuava em "semi home office" — alguns dias do mês em casa, alguns dias do mês no escritório. “A grande vantagem do trabalho home office é poder oferecer mais qualidade de vida para a equipe que não precisa se deslocar até o escritório”, pontua Mayla, sócia-fundadora da Entre Pontos. “Para nós, que atuamos com marketing e assessoria, a desvantagem é só o calor humano, porque as reuniões e pautas são conversadas via chat”, afirma.

De acordo com Aécio, para as empresas que conseguem se adaptar, o trabalho remoto é positivo. “A empresa que adotar o home office vai ter um ganho de rentabilidade, porque ela não precisa investir em instalações, não precisa gastar do menorragia elétrica, iluminação, ar condicionado ou o que seja. Transfere esses gastos para os domicílios dos funcionários. Os funcionários que vão arcar com mais energia elétrica, computador e assinatura com internet”, afirma Aécio.

Após a pandemia, observando os resultados, é provável que muitas das empresas que atuavam presencialmente continuem com o modelo de home office. “Provavelmente o home office vai ficar e vai melhorar a lucratividade das empresas”, diz.