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Fortaleza segundo os irmãos Hissa

01:30 | 12/08/2015
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Os irmãos José Hissa (71) e Francisco Hissa (65) cresceram com Fortaleza. Ou cresceram a partir dela, assim como ajudaram a construí-la. Com isso, fizeram do sobrenome Nasser Hissa, que também batiza o escritório com 44 anos de atividade, uma referência na arquitetura. Sobre a Cidade, falam com segurança. “Fortaleza é agradável, mas poderia ser mais”, diz Francisco. “A cidade não pode ser um elemento congelado, intocável. Também não se pode arrasar tudo”, diz José.


No embate que se estabelece entre desenvolvimento e preservação, ambos pedem menos paixão. Acreditam que a intervenção que a Prefeitura pretende fazer na Praça Portugal é boa para a Cidade. Dizem que não veem valor histórico que impeça a construção de um edifício no lugar onde hoje está o Residencial Iracema. E, sobre o Lord Hotel, dizem que o mais importante é levar a Câmara Municipal para o Centro.


Mesmo nas questões mais polêmicas, as posições de ambos são consensuais. Resultado da ligação fraterna e profissional - esta já dura 44 anos. E, em uma hora de entrevista ao O POVO, só ficaram reticentes quando o assunto era a divisão de tarefas entre eles, preferindo deixar o crédito com o escritório, que ganha reforço do sobrenome na nova geração. As duas filhas de José são arquitetas. Assim como a caçula de Francisco, que tem três filhos.


O Povo – Vocês têm mais de 40 anos de carreira. Nesse período, que mudanças marcantes aconteceram na arquitetura de Fortaleza?

José Hissa – Eu cheguei a Fortaleza em 1968. Naquela época o plano diretor, na maior parte da cidade, só permitia prédios com térreo e mais três andares. Acho que a maior mudança foi o aumento no gabarito, com o plano diretor de 1979.

Francisco Hissa – Também há maior profissionalismo no exercício da atividade. Já o perfil da arquitetura mudou muito em função da legislação e de algumas influências externas. Apesar de que essa influência é menor em Fortaleza que em outras capitais, principalmente por causa das varandas.


OP - Que outras especificidades há na arquitetura de Fortaleza?

José - Não acredito que haja tanto. O que caracteriza um edifício é a geometria. Quando a legislação permite o arquiteto estabelecer variáreis na geometria, a arquitetura fica mais livre. Quando ela estrangula isso, tem mais homogeneidade. Nós sempre fomos contra o limite de gabarito porque ele estabelece um teto. Todos os edifícios ficam mais ou menos na mesma altura. Nós sempre fomos a favor de o arquiteto ter liberdade para definir o que é melhor para o terreno, a cidade, o cliente. Definir se o prédio vai ser mais alto, ocupando menos terreno. Ou mais baixo, ocupando mais terreno.

OP – Já ouvi de um arquiteto que Fortaleza quer ser Dubai. Vocês concordam?

Francisco - A gente sente que alguns empreendimentos, quando lançados, constroem essa imagem. Eu sou totalmente contra uma arquitetura espelho de outro lugar. Essa também é uma mudança que vimos nesses 40 anos, essa tentativa de se espelhar em outras cidades.

OP – E onde a arquitetura deve se inspirar?

José - Cada projeto tem sua peculiaridade. Às vezes, o entorno determina característica mais discreta ao projeto. Às vezes, impõe limitação na geometria. Não dá para fazer um arranha-céu ao lado da Catedral por exemplo. Precisa respeitar. Nem sei dizer de onde sai um projeto. A gente tem as condicionantes de topografia, do contexto onde está inserido, das demandas dos clientes. São coisas que a gente faz sem perceber.

OP - Fortaleza é uma cidade bonita?

Francisco - Esse conceito é muito abrangente. É mais fácil responder se ela é agradável, boa de usar. Eu acho que Fortaleza é uma cidade boa de usar. Se a legislação desse um pouco mais de liberdade... Por exemplo, temos pouco comércio em algumas áreas, como na maior parte das ruas Meireles porque era proibido ter loja. Fortaleza poderia ser melhor.

OP - Vou insistir na pergunta. E sei que a resposta é subjetiva. Mas quero saber vocês gostam do que veem quando olham para Fortaleza.

José - O que eu gostaria de ver em Fortaleza era mais integração entre os prédios e a vizinhança, com melhores calçadas, menos muros.

Francisco – Esse juízo não passa só pela beleza das edificações. Mas também pelo espaço público. E, em Fortaleza, o espaço público não é tão bem cuidado. Às vezes, as construções até são. Mas a rua não.


OP – Vocês observam que a integração com o espaço público é uma tendência em Fortaleza?

José – Essa é um dos pontos da legislação, permitir que os edifícios fossem feitos de uma forma mais amigável, com mais área pública, mais jardim, mais calçada, como contrapartida para algumas mudanças nos parâmetros da construção.

OP – O que vocês consideram como ícone da arquitetura de Fortaleza.

José - Umas das boas influências foi a participação do arquiteto Acácio Gil Borsoi, na década de 1970.

OP - Fortaleza é uma cidade sem memória?

José - Eu acho que isso tem que ser analisado caso a caso. A cidade não pode ser um elemento congelado, intocável. Também não se pode arrasar tudo. Então há casos em que a demolição é aceitável, mas tem casos em que não é.

OP - Quais os critérios para definir isso?

José - A primeira coisa é estabelecer uma discussão sem paixão. Parece que é uma guerra entre empreendedores e conservadores. Isso não pode ser pensado assim. Tem que se pensar na Cidade.

OP – O que vocês acham da intervenção que a Prefeitura pretende fazer na Praça Portugal?

José - A proposta da Prefeitura é que, com a demolição, haja quatro áreas de uso, ampliando o espaço. Acho que a intervenção é uma coisa boa, amplia o binário e dá mais área de uso. Também acho que é possível manter o cerne da Praça Portugal, sem prejuízo ao seu simbolismo, mantendo aquele espaço em que fica a árvore de Natal. Esse é um caso, que tem que ser olhada sem paixão

Francisco – Penso mais ou menos parecido. Mas eu acho que a gente tem problemas mais sérios em Fortaleza. E a gente não vê uma reação tão grande. Por exemplo, na Praça da Sé, na Praça José de Alencar. O que se faz ali, a ocupação irregular do espaço público, aquilo não dá.


OP – Outro debate é o Residencial Iracema. O que vocês acham?

José - não vejo, nesse condomínio, nada que impeça que o proprietário construa. Tenho um amigo que mora lá, é um lugar agradável. Mas, a meu ver, o valor histórico ali é quase nenhum.

Francisco - Essa memória pode ser preservada de outra forma, que não seja presencial. Ela também tem que ser instruída nos nossos cursos. Alguns prédios têm valor em si mesmo. Mas outros podem ser mantidos na memória, de outra maneira.

 

OP – Sobre a ocupação das praças, vocês acham que falta pulso ao poder público para resolver?

José – Acho que a atual gestão está fazendo um bom trabalho, mas a gente sabe que não é fácil resolver.

Francisco - Às vezes, tem boa intenção nas administrações. Mas não basta, é preciso ter uma visão correta. Mas é fácil criticar depois que se fez e não deu certo. Nesses parâmetros urbanísticos, é difícil ter uma verdade absoluta.


OP – Uma questão que está entrando na pauta agora é o Lord Hotel, que tem tombamento provisório, e que deve receber a Câmara Municipal. Mas, para isso, precisará de reforma.

Jose - Sou favorável ao movimento de retomar o Centro. Acho louvável. E se tiver que sacrificar algo, como o Lord, para que ela seja factível, é melhor para a cidade. Eu só tive dificuldade em entender como, naquele espaço, se coloca um plenário.

Francisco - Mas acho que, sobre o Lord, o que se está querendo fazer não é nenhuma agressão. Porque eles dizem que essa manutenção da memória é mais importante quando se tem uso. Mantidas as características... Essa decisão de levar a Câmara para fora do Centro foi bem intencionada, mas errada. Isso não se mostrou solução acertada, apesar de que, na época, levou desenvolvimento para outras áreas.


OP - Dá para fazer daquela área agradável em curto prazo?

Francisco - Acho que sim. Mas esse problema do Centro não foi só nosso. As grandes cidades passaram por isso. É característica de uma política urbanística que hoje não se mostra muito o centro.

OP - Como veem a formação do arquiteto?

Francisco - Acho que a formação peca um pouco porque se tornou muito tecnológica e pouco conceitual. Houve tempos em que a atividade era menos técnica e mais analítica. Hoje, a gente sente uso exacerbado da computação gráfica, até no ensino. Na universidade, eu vejo os jovens concebendo o projeto já no computador.

 

perfis


JOSÉ NASSER HISSA tem 71 anos e é o mais velho de quatro irmãos. Enquanto ele e Francisco se tornaram arquitetos, os outros dois são médicos.

Tem duas filhas, ambas seguiram os passos do pai.

Nascido em Fortaleza, se formou na Universidade do Brasil em 1969.


FRANCISCO NASSER HISSA tem 65 anos. É pai de três filhas, das quais uma é arquiteta. Também natural de Fortaleza, se formou em Arquitetura pela Universidade do Brasil - assim como o irmão - em 1971.É professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), atividade da qual o irmão é aposentado.

 

O ESCRITÓRIO Nasser Hissa nasceu da parceria entre os irmãos em 1971, quando Francisco se formou. Entre os projetos estão Center Um, Shopping Avenida, edifício Nautilus (no Cocó), sede da Ypióca (hoje, sede do Grupo Telles), Hotel Luzeiros, Aquiraz Riviera e Plano Diretor de Maracanaú.

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