Indígenas bloqueiam rodovias em Caucaia contra mudanças na demarcação de terras

Manifestantes protestam contra o chamado "marco temporal", que impõe barreiras à demarcação de terras para povos originários

23:56 | Ago. 25, 2021

Manifestação reuniu pelo menos 150 indígenas em duas rodovias em Caucaia (foto: Fco Fontenelle/O POVO)

Em protesto contra mudanças nas regras de demarcação de terras no Brasil, índios da etnia Anacé bloquearam parcialmente trechos da BR-222 e da CE-085, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), nesta quarta-feira, 25. O ato, que começou por volta das 13 horas, interrompeu o tráfego de veículos até as 17h30min, causando um congestionamento quilométrico. Segundo as lideranças do movimento, pelo menos 150 indígenas participaram da manifestação.

O foco da mobilização é o julgamento de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) - previsto inicialmente para esta quarta-feira, mas adiado para amanhã, 26 - que pode instituir o “marco temporal” na delimitação de terras para povos originários. A regra prevê que os indígenas só poderiam reivindicar direito por terras ocupadas até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Na prática, o dispositivo condiciona a demarcação a um comprovante de posse, o que hoje não é exigido pela legislação.

Para o indígena Miguel Anacé, 24, um dos organizadores do ato realizado no Ceará, a proposta de mudança nas regras de demarcação representa “um ataque direto à origem brasileira”. “Não fere só os índios. Fere a nossa cultura, a nossa memória como povo”, disse. Ele explicou que o foco principal da mobilização é chamar a atenção das autoridades e da população para o que classificou como um “retrocesso sem precedentes” na história do Brasil. “Nós estamos aqui pra dizer que Indígena nunca desiste. Onde for ferida a nossa existência, a gente vai resistir”, afirmou.

O ato ocorrido no Ceará se juntou a uma manifestação realizada na Praça dos Três Poderes, em Brasília, que contou com a participação de ao menos mil lideranças indígenas de várias partes do Brasil. Representantes de 170 etnias estão acampados desde o último domingo, 22, em frente à Praça da Cidadania, nos arredores da Esplanada dos Ministérios. De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), no total, cerca de seis mil indígenas participam do acampamento, fazendo dessa a maior mobilização já realizada pelos povos originários do Brasil.

Segundo apurado pelo O POVO, ao menos 200 cearenses de 15 etnias diferentes viajaram à Capital Federal para participar dos protestos. Um deles é Thiago Anace, liderança indígena da reserva Taba do Povo Anacé, situada em Caucaia. “Saímos do Ceará sábado (21) à tarde e a nossa previsão é retornar no próximo sábado [28] pela manhã. Já tivemos várias plenárias e manifestações sobre pautas importantes para os povos originários”, detalha Thiago. Para ele, a votação do STF pode representar um divisor de águas nos direitos à exploração de terras por indígenas brasileiros. “A situação é muito grave, o que está em jogo é o futuro da demarcação das terras indígenas no País. Mesmo sendo um momento muito difícil, estamos confiantes que o STF vai cumprir o seu papel e fazer valer o texto constitucional”, afirma.

A corte avalia, em particular, o caso de uma reserva indígena de Santa Catarina reivindicada pelo Governo do Estado com base no argumento do marco temporal. A decisão, no entanto, deve causar repercussão geral, afetando outras ações judiciais que tratem sobre o mesmo tema.

As lideranças indígenas acreditam ainda que uma eventual decisão favorável do STF poderia enfraquecer o PL 490/2007, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados em junho, que além de instituir o marco temporal, também abre margem para a exploração de terras indígenas por garimpeiros e proíbe a ampliação de áreas já demarcadas.