A experiência de chegar à universidade sem o espaço da universidade

Estudantes iniciam ensino superior de forma remota e sem os vínculos com a universidade criados pelas trocas para além da sala de aula

19:11 | Mai. 07, 2021

Bosque Moreira Campos, no Centro de Humanidades I, na Universidade Federal do Ceará (foto: Divulgação/UFC)

Qual lugar da faculdade é o mais marcante para você: a cantina, o laboratório, a sombra da árvore, a banca da esquina? Costuma-se tratar a universidade como um mundo de descobertas. Na pandemia da Covid-19, porém, as fronteiras foram fechadas para muitos alunos, principalmente para quem começou a graduação durante a crise sanitária. Não pela falta de vagas - problema histórico no Brasil - mas por conta das aulas remotas que impediram milhares de estudantes de explorar e criar vínculos com espaços físicos da academia.

A previsão para Julyanne Vasconcelos Lima, 20, iniciar o curso de Medicina Veterinária, na Universidade Estadual do Ceará (Uece), era para o primeiro semestre de 2020. Em decorrência das medidas sanitárias adotadas para evitar a proliferação e a infecção pelo novo coronavírus, o ingresso só foi possível no segundo semestre. Desde então, o contato principal com a turma e os professores ocorre virtualmente.

“Quando ingressei na Universidade, eu imaginava que seria uma realidade totalmente diferente: possuir rotina, a ida à faculdade, adentrar na sala de aula, conhecer as pessoas com quem realmente eu iria dividir todo o meu curso, participar, principalmente, das boas-vindas com os veteranos. Além das aulas práticas que necessitamos em várias disciplinas”, comenta Julyanne.

A jovem cita ainda que deve ter a graduação prejudicada não apenas por conta das atividades online, mas pela ausência de contato com outros indivíduos e lugares. Em pouco menos de um ano desde o início da graduação, a futura médica veterinária já cita cansaço e desgaste pela excessiva exposição às telas.

“Eu não me sinto uma universitária ainda”. É o sentimento de Mariana de Andrade, 19, graduanda do segundo semestre do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) por não conseguir vivenciar os espaços da instituição. A realidade é completamente diferente do que esperava ao ser aprovada no curso. "Eu sempre imaginei que ao entrar na faculdade eu ia fazer vários amigues, frequentar restaurantes que tem ao redor e andar bastante pelo campus”.

Para ela, a experiência seria de frio na barriga a cada descoberta. “Eu não me sinto motivada no EAD e isso acaba tirando boa parte do encanto que eu tenho pelo curso que eu escolhi”. Nesta semana, de forma remota, os veteranos do curso apresentaram aos calouros os cursos de extensão, pesquisa e outros caminhos possíveis dentro da UFC, que deve iniciar o calendário letivo na próxima semana.

Davi Magalhaes Muniz, 17, acabou de sair da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Deputado Joaquim de Figueiredo Correia, município de Iracema, distante 286,7 quilômetros de Fortaleza. No próximo semestre, o adolescente deve iniciar na capital cearense o curso de medicina na UFC. Para ele, ter aulas online é necessário para o combate à Covid-19.

“A não realização de aulas práticas poderá interferir na formação, porém posteriormente elas deverão ser repostas e acredito que a faculdade sempre irá realizar tudo da melhor maneira possível visando a menor perda de conteúdo”, acredita. Davi não conheceu os docentes, porém já teve contato com os veteranos do curso em momentos de apresentação para melhorar o entrosamento entre os novos colegas.

Além do desafio de iniciar o curso em período pandêmico, o futuro graduando terá que encontrar um lugar para morar em Fortaleza. A primeira estratégia é conseguir vaga em residência universitária. Caso não seja possível, optará por dividir o aluguel com colegas universitários.

Na ausência de atividades físicas do IFCE, veterano acompanha exercícios virtuais do Cuca

Wemerson Lima, 21, tinha o Instituto Federal do Ceará (IFCE) como a segunda casa até o início da pandemia em março de 2020. Estudante do sexto semestre no curso de Gestão Desportiva e de Lazer, o universitário utilizava diversos espaços para cumprir a carga horária da graduação. Hoje, cumpre bolsa de trabalho com aulas virtuais de dança de salão para a comunidade interna e externa à instituição.

"A atividade física me ajudava muito nas crises de ansiedade, me dava ânimo pra poder dar continuidade às demandas acadêmicas". Em casa, segundo ele, o ambiente e o material disponível não são propícios aos estudos. Um ano depois, é mais difícil manter a rotina.

No entanto, por conta da pandemia, o IFCE suspendeu atividades físicas e práticas esportivas nas dependências dos equipamentos. Com isso, Wemerson decidiu procurar vaga no CUCA e conseguiu. A instituição, lembra Wemerson, promoveu ações para minimizar o impacto da pandemia na formação dos alunos, como a disponibilização de chips, tablets, psicólogos e auxílio emergencial de R$300.

Para ele, a situação é complicada pelo fato de o curso ser muito prático. “ A gente sempre trabalhava com os eventos esportivos do IF. Isso resultava em uma bagagem de conhecimento prático pra gente. Em contrapartida, a gente tinha uma renda”. Além disso, o alunado também participava da organização de competições promovidas por federações esportivas.

“Eu acredito que isso tem um impacto grande pras pessoas que entraram durante esse período de pandemia porque eles não tiveram acesso a essa oportunidade de participar, de trabalhar com essas instituições, presencialmente, e colocar em prática o que tem sido aprendido dentro do curso”, avalia.