Zé na Rede: conheça o criador de conteúdo eleito ativista do ano
José Neto, o Zé na Rede, é um jovem paraense produtor de conteúdo com trabalho tem proposto um novo olhar sobre a Amazônia
15:29 | Jan. 16, 2023
“Assim como eu, a Amazônia não é uma coisa, somos Amazônia”, demarca o criador de conteúdo José Neto, o “Zé na Rede”. Jovem, comunicador e ativista, ele faz uso da internet para destacar a identidade indígena e amazônida e lançar novas visões sobre o território - desconhecido por boa parte dos brasileiros. Presença marcante no TEDX Campinas e premiado como “Jovem Ativista do Ano” no Capricho Awards 2022, José Neto vai das redes - sociais e de dormir - ao sucesso no mundo offline, em busca de novas formas de viver mais sustentáveis, ou, como diria uma de suas grandes referências, o escritor Aílton Krenak, de adiar o fim do mundo.
O POVO - Quando você começou a produzir conteúdo na internet, como era o cenário? Já tinha exemplos de comunicadores amazônidas? Você já pensava como possibilidade profissional?
José Neto - Em 2016, logo que eu terminei a faculdade de Engenharia de Produção, eu não sabia muito bem em que frente atuar. Depois de muitas conversas e aconselhamentos com amigos, muita reflexão, eu resolvi criar um canal no YouTube que ia me permitir viajar e trabalhar de onde eu estivesse - esse era meu objetivo na época. Lembro que eu fui listar algumas inspirações de criadores de conteúdo e percebi que todos que eu tinha listado eram de fora da Amazônia e que compartilhavam vivências que não faziam sentido algum para minha realidade, existiam pouquíssimas referências. Foi daí que eu percebi a importância de estarmos lá e “entrei” na internet com essa consciência de criador de conteúdo para, inicialmente, ver a minha vivência sendo refletida lá também. Exemplo, as fotos de rios/praias eram todas de águas azul ou transparente, sendo que na Amazônia temos águas de vários tipos de cores: marrom, avermelhada, preta, verde, azul. Em 2016 eu conhecia poucos criadores de conteúdo da Amazônia, grande parte era de Belém, mas falavam de temas diferentes dos que eu abordo.
OP - Algo que você desmistifica muito em seus conteúdos são visões deturpadas da Amazônia, que tem, certamente uma herança no processo colonial e nos processos ditos “civilizatórios”. Você acredita que seu trabalho contribui para a mudança desse contexto? De que forma?
José Neto - Um dos meus objetivos na internet é descomplicar a Amazônia e povos indígenas, além de naturalizar os nossos diferentes contextos. Eu acredito que eu faço isso de duas formas: a primeira é criando uma biblioteca de imagens no subconsciente das pessoas - ao invés de mostrar o que somos como algo exótico (que a maioria dos influenciadores de fora fazem), é trazer nosso cotidiano como algo natural, o que de fato é assim há séculos, e de uma certa forma penetrar na mente das pessoas esses cenários. Certamente o que eu compartilho foge do padrão criado pela sociedade brasileira que ainda enxerga a Amazônia como algo distante e cheio de esteriótipos. Já a segunda é de um ativismo mais incisivo - trazer os pontos de estereótipos, especificidades e diferenças para falar diretamente sobre eles e de uma certa forma educar a minha comunidade. Assim, é possível fazer com que a audiência da internet perceba que existem muitos mundos no Brasil e visões diferentes sobre eles. E cada vez mais as pessoas vão conhecendo a Amazônia sob o nosso olhar. Quando algum conteúdo fura a bolha e viraliza, é mais interessante ainda, porque a gente consegue criar um debate amplo e com novas pessoas.
OP - No último ano sua produção de conteúdo digital teve um alcance bem significativo, com um público engajado rendendo, inclusive, espaços para além do digital. Como foi a decisão de mudar de cidade e se dedicar a internet? Quais foram as dificuldades?
José - Na verdade, eu acredito que pra ter autoridade na internet, é preciso ter vivência e autoridade fora dela. Eu compartilho na internet um pouco do que eu aprendo/vivo no mundo offline. Claro que em 2022 eu alcancei novos espaços fora do digital e foi um passo muito importante. Eu mudei para São Paulo em março de 2022, por conta do meu trabalho CLT, e depois de 2 meses trabalhando de lá, eu pedi demissão por alguns motivos pessoais. Na relação de trabalho, usei minha indenização como uma grana de emergência e fui morar com uma amiga. Paralelo a isso, eu já estava sendo agenciado pela Brunch e fui selecionado para a aceleração do YouPix - esses dois pontos foram grandes alavancas para me profissionalizar como um criador/empreendedor. Nos primeiros meses investi basicamente nos meus conteúdos, estudos e pesquisas e de agosto em diante os trabalhos começaram a aparecer. Cada trabalho que eu fechava, era um tempo estendido que eu conseguia me manter em São Paulo e foi um período muito dinâmico e super legal. Fiquei 9 meses em São Paulo e decidi voltar para ficar perto da minha família e criar alguns projetos no Norte. Sobre dificuldades, basicamente todo o trabalho (criação, edição, roteiros, gravação, emissão de nota fiscal) depende de mim, então eu tive que me organizar bastante para conseguir fazer tudo nos prazos e com qualidade - acaba que eu trabalho como uma agência de criação. Além disso, a parte financeira é incerta porque você não sabe quando vai fechar um trabalho ou algum projeto vai ser aprovado - por isso foi importante me planejar e juntar uma grana reserva.
OP - Considerando o contexto global de mudanças climáticas, tem ganhado força, ano após ano, debates sobre preservação das florestas e proteção dos povos originários. Mas ainda há poucos esforços globais neste sentido. Como você enxerga este cenário?
José Neto - Cooperações internacionais sempre existiram, porém nos últimos quatro anos, vários países recuaram por conta do governo e foram anos complicados para executar ações e projetos, não somente por conta de verbas, mas porque as pessoas que atuam na base precisavam cuidar da sua segurança também - eram ameaças em vários níveis. Antes de 2019 eu trabalhei em projetos com cooperação internacional que tinham como foco a geração de renda nas comunidades da floresta. Eu pude acompanhar essa mudança de perspectiva. Agora, com o retorno do governo Lula e por diversas pressões e debates internacionais, as cooperações voltam com força total porque já entenderam que cuidar das nossas florestas e biomas é algo que beneficia a todos! Vale ressaltar que a juventude ativista foi fundamental para denunciar os problemas que as comunidades enfrentam com as mudanças climáticas, não somente dos contextos de florestas, mas das periferias das cidades também. E nós, juventudes, somos articuladores importantes para essas cooperações.
OP - Já no Brasil, nos últimos anos, foram poucas as políticas de combate ao desmatamento e assistência aos povos tradicionais. Com as recentes mudanças políticas, você se vê mais otimista ou pessimista para os próximos anos?
José - O primeiro dia de 2023 já alimentou todas as minhas esperanças e eu começo o ano super otimista! Ter visto a nossa presença indígena na cerimônia de posse do presidente Lula é muito representativo. O cacique Raoni levou todos nós juntos com ele. Além disso, os atos assinados logo no primeiro dia já causam mudanças de rota no que vinha acontecendo com as políticas de combate ao desmatamento e assistência aos povos tradicionais. Os discursos dos representantes do governo nos primeiros dias estão sendo super significativos, uma grande ruptura do que vivemos no último governo. Escutar que o governo vai trabalhar para ter desmatamento zero na Amazônia traz muita esperança porque isso envolve mudanças estruturais em diferentes setores e ministérios. É algo que deve acontecer de forma horizontal, não apenas ter corpos de minorias para servirem “cotas” de representação, mas ocupar lugares de tomadas de decisão que influenciam diretamente o que somos e a forma como vivemos. Ter a Sônia Guajajara e Marina Silva como ministras, por exemplo, entendendo a caminha e luta de ambas nesses temas traz um conforto de saber que todos os esforços serão feitos para combater o retrocesso. Entendendo também que vai ser um grande desafio para modificar os caos instaurado nestes últimos quatro anos de governo.
OP - Além de propagar informação e divulgar sua região, há um trabalho de autoestima do povo nortista, a partir de um olhar orgulhoso e positivo desta identidade. Como avalia a produção de conteúdo no norte do País?
José - O cenário de criadores de conteúdo vem crescendo bastante e eu acho muito potente o espaço que a internet possibilita de diferentes realidades e temas compartilharem suas vivências. Nós fazemos um trabalho excelente, mas ainda existe muito preconceito por sermos da região norte. Isso implica em poucas ofertas de trabalho para campanhas nacionais, pagamentos inferiores se comparados com criadores de conteúdo do sudeste e cria-se esse imaginário de que causamos impactos apenas regionais por sermos de fora do eixo RJ-SP. O que é incrível na gente é que vamos criando formas de fomentar e alimentar o mercado local para a gente se manter. Eu tenho muito orgulho de ter grandes inspirações e referências que são do Norte, como a Amanda Campelo (@mckaoma), o Dayrel Teixeira do @funkeiroscults, a Txai Suruí (@txaisurui), o Jonas Amador (@jonasamador), a Trisha da @acasacomoelae e entre outros.
OP - Recentemente você conquistou o Prêmio Capricho e esteve no TEDX, qual foi a sensação? E que recado sua presença nesses espaços quis passar?
José - Foram sensações diferentes. O TEDx é algo que desde 2012 eu coloquei na cabeça que um dia eu falaria, joguei pro universo e vim fazendo meu trabalho sem necessariamente colocar esforços diretos para estar no palco de um TEDx. Eis que esse ano, por indicação de duas pessoas, a equipe do TEDx Campinas entrou em contato comigo para saber das minhas ideias e me convidaram para palestrar. Imagina o sentimento de realização, um desejo de 10 anos sendo realizado em um evento no sudeste do Brasil. Lá eu falei sobre o quão diverso a Amazônia é, trouxe dados e vivências que a grande maioria das pessoas não sabe e a mensagem principal: assim como eu, a Amazônia não é uma coisa só. Já no prêmio de Jovem Ativista do Ano da Capricho, foi uma sensação de surpresa, orgulho e alegria. Eu só fui saber da indicação quando a votação estava aberta e para mim significou principalmente que o meu trabalho offline/online estava causando algo e influenciando pessoas. Foi como receber um feedback positivo de que você está indo no caminho certo. Mais alegria ainda foi quando saiu o resultado da votação popular e eu ganhei o prêmio. É muito lindo ver que a minha comunidade me apoiou nesse momento.
Assista "Zé na Rede" no TEDxCampinas
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