Preservação audiovisual e novos olhares para filmes perdidos ou interrompidos são debatidos na CineOP

Cineastas debatem história e preservação do cinema brasileiro em mesa da Mostra de Cinema de Ouro Preto a partir de obras feitas sobre filmes perdidos ou interrompidos

11:40 | Set. 07, 2020

O curta Acabaram-se Os Otários propõe remontagem do perdido longa homônimo, considerado o primeiro filme sonoro brasileiro (foto: divulgação)

“Todo mundo que se aventura pela história do cinema brasileiro vai se deparar com uma pequena catástrofe, digamos assim, que é o número de filmes desaparecidos e interrompidos”, alertou o diretor, professor e pesquisador Reinaldo Cardenuto, um dos convidados da mesa de debate "Revisão, reconstituição ou reapropriação de filmes interrompidos ou perdidos". A conversa, que aconteceu ontem à noite na programação on-line da 15ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, contou ainda com a presença dos cineastas Petrus Cariry e Vitor Graize. Mediados pela curadora Camila Vieira, os três trocaram experiências sobre os processos de filmes produzidos por eles a partir de obras inacabadas e perdidas. A 15ª CineOP, que disponibiliza mais de 100 filmes gratuitamente, além de debates, oficinas e masterclasses, termina hoje.

Reinaldo assina a direção, junto do também professor e pesquisador Rafael de Luna, do curta-metragem “Acabaram-se Os Otários”, que propõe uma reconstituição da obra homônima dirigida por Luiz de Barros em 1929. Petrus co-dirige, em parceria com Firmino Holanda, o longa “A Jangada de Welles”, que revê a passagem do cineasta estadunidense Orson Welles pelo Brasil nos anos 1940 para gravar o filme “It’s All True”, que não chegou a ser finalizado. Já Vitor dirige o média “Olho de Gato Perdido”, que revisita a história do pretensamente perdido "Olho de Gato"faroeste independente gravado nos anos 1970 no Espírito Santo.

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O longa cearense foca em especial na passagem de Orson Welles por Fortaleza, quando o diretor conheceu, entre outras figuras, o pescador e líder dos jangadeiros Manuel Jacaré, que apareceria na produção. Manuel, porém, faleceu em meio às filmagens no Rio de Janeiro. Firmino e Petrus já haviam dirigido o média-metragem “Cidadão Jacaré” sobre o mesmo tema. “No documentário anterior, muitos arquivos queríamos na época a gente não teve acesso. Vimos que tinham algumas lacunas que precisavam ser fechadas na relação dos jangadeiros e o Orson Welles”, contou Petrus no debate.

Firmino Holanda e Petrus Cariry dirigem o longa "A Jangada de Welles", que revê a passagem do cineasta Orson Welles por Fortaleza (Foto: divulgação)

“Foi um grande trabalho de pesquisa, de levantar o que a gente tinha acesso de foto, vídeo, coisas para recuperar. Fomos buscar material, reorganizar e fazer uma montagem, quase como se fosse uma bricolagem, mas sem perder o foco histórico”, detalhou. O minucioso processo, porém, encontrou inúmeros desafios. “Foi muito cansativo. A gente foi atrás da Cinemateca, mas já estava complicado de buscar material”, lembrou Petrus.

O curta de Reinaldo e Rafael reconstitui o filme de Luiz de Barros, considerado o primeiro longa sonoro do cinema brasileiro, mas também considerado perdido. Do filme, sobraram vestígios. “Todo mundo que se aventura por essa história vai criando uma espécie de cinemateca imaginária daquilo que a gente nunca terá condições de assistir, mas que um dia existiu, ou que cineastas sonharam e não realizaram”, seguiu Reinaldo, definindo o cenário: “Existe uma história paralela àquela existente, que é a história daquilo que não existe mais”.

Os gestos de revisitação e revisão dessas obras perdidas ou interrompidas são, também, de disputas de versões da história, como destacou Vitor. “Em ‘Olho de Gato Perdido’, há a importância de se colocar um título de uma obra na filmografia do Espírito Santo, que é tão pequena. Embora esteja no Sudeste, ele é um estado com uma filmografia que não é muito conhecida - talvez porque produziu pouco, mas também muito por falta de pesquisas e divulgação”, atentou. “Isso é completar, criar uma nova história”, complementou o diretor.

Um faroeste gravado em 1975 no Espírito Santo é revisitado por "Olho de Gato Perdido" (Foto: divulgação)

Tais movimentos de reconstrução da história são formas de “devolver para o espaço público” as obras, como colocou Reinaldo ao falar sobre o processo de “Acabaram-se Os Otários”. “O que a gente fez foi tentar, 90 anos depois, recuperar todos os vestígios remanescentes do filme, que hoje encontram-se espalhados em 10 ou 12 arquivos brasileiros. Recuperando esses vestígios, tentamos compor uma versão da obra, que nunca vai chegar ao que ela foi, para devolver, digamos assim, ao espaço público e aos olhares dos espectadores o que teria sido a experiência do filme”, elaborou.

É por motivos como esse que os cineastas ressaltaram a importância da preservação dos arquivos e acervos do cinema brasileiro. “Fizemos vários truques de montagem a partir do que a gente tinha na mão, porque não tínhamos todos os trechos completos”, exemplificou Petrus. Vitor ainda ressaltou que a centralização de arquivos dificulta processos. “Para quem está fora do Rio e de São Paulo, isso se torna ainda mais complicado. A centralização dos arquivos é um problema, então é importante pensar em iniciativas regionais”, sugeriu.

“O que fiquei mais assustado durante o processo de fazer o filme foi com a dificuldade para conseguir arquivos e ter acesso a esse material, pagando ou não, com qualidade. Em órgãos que deveriam ter isso de forma mais fácil, já estava tão complicado. Agora, nem se fala”, apontou o cineasta cearense. “Fiquei pensando em como é bom que os cineastas comecem a criar espécies de arquivos, porque ninguém sabe como vai ficar isso. Aqui no Brasil a gente está num processo de sucateamento dos arquivos como um todo. Deveria ter um investimento maciço nessa área, tem muitos filmes para serem feitos, a história prossegue, e esse material tem que estar preservado de alguma forma”, afirmou.

Serviço

15ª Mostra de Cinema de Ouro Preto
Até hoje
Filmes e debates disponíveis no site www.cineop.com.br

Programação de 7/9:

12 horas - Debate "Case de Restauro: Pixote, a lei do mais fraco"
14 horas - Debate "Projetos audiovisuais educativos que trabalham colaborativamente com a produção audiovisual em (possíveis) ambientes escolares durante a quarentena"
14 horas - Masterclass "A expansão do Museo del Cine 'Pablo Ducros Hicken'"
16 horas - Debate "Instituições de Patrimônio em Risco: Caso Cinemateca Brasileira"
18 horas - Debate "A preservação sob a ótica da fotografia no cinema"
21 horas - Show Lô Borges

Confira o debate abaixo: