Filme de Karim Aïnouz, Aeroporto Central estreia em streaming

Aeroporto Central, documentário do cearense Karim Aïnouz, retrata aeroporto desativado na Alemanha que passou a receber refugiados. Lançamento é amanhã, 23

19:30 | Abr. 22, 2020

Aeroporto Central, dirigido pelo cearense Karim Aïnouz, retrata trajetória do Aeroporto de Tempelhof e de dois refugiados na Alemanha (foto: Juan Sarmiento / divulgação)

Em 2004, o cearense Karim Aïnouz passou um tempo na Alemanha após ganhar uma bolsa artística. Na volta para Fortaleza, partiu para as conexões - e consequentemente para casa - a partir do Aeroporto de Tempelhof. O lugar de passagem virou foco de interesse de Karim anos depois no documentário Aeroporto Central, dirigido por ele e que ganha lançamento amanhã, 23, via streaming. Com quase 100 anos de história, o local teve diferentes usos ao longo da trajetória, indo de símbolo nazista nos anos 1930 a espaço de acolhimento para refugiados na Alemanha do século XXI. Remontando tal percurso, o cineasta costura reflexões sociais, políticas e íntimas a partir das histórias do jovem sírio Ibrahim, de 18 anos, e do fisioterapeuta iraquiano Qutaiba, de 35.

Aberto em 1923, o Aeroporto Tempelhof foi símbolo da ideologia da grandeza nazista defendida por Hitler, funcionou como abrigo de prisioneiros da Segunda Guerra e ainda como base militar dos EUA dos anos 1950 até os anos 1990, por exemplo. Com o tráfego aéreo desativado em 2008, virou alvo de especulação imobiliária, mas foi defendido pelos habitantes da cidade e tornou-se parque público em 2010, recebendo diversos eventos e atividades de lazer nos hangares e no aeródromo. "O filme iria mostrar como a população fez ser transformado um espaço que poderia ser privado em um espaço público", conta Karim em entrevista ao O POVO. No entanto, a intenção foi transformada em 2015, quando o acolhimento e apoio a refugiados foi adicionado às funções do local.

"O aeroporto é emblemático, é uma marca de um tempo aberrante da história alemã e que ficou ali, uma cicatriz aberta na cidade", define o cineasta. Com tantas possibilidades de narrativas, o desafio foi delinear os focos do filme. "Tenho um HD cheio de material com histórias que nem consegui contar. Ele foi um projeto que começou como retrato de um lugar e foi virando retrato de personagem", explica. "Era muito importante começá-lo deixando claro ao espectador que lá é um espaço com várias funções e que ele atravessa muitas décadas, regimes, sistemas", afirma Karim. Essa parte mais didática dá o tom do início do documentário, que abre inclusive com o registro de um passeio turístico guiado. "Era preciso contar a História, com H maiúsculo, e a topografia do local antes de falar dos personagens. Por isso, você tem no começo uma gramática visual que vai adentrando como um diário do personagem", considera.

Por conta desse caráter pessoal, inclusive, Aeroporto Central prefere mostrar questões subjetivas e íntimas de Ibrahim - que assume o posto de protagonismo, inclusive narrando a obra em tom confessional e memorialístico - e Qutaiba, do que tratar, por exemplo, de forma frontal da xenofobia. "A mídia hegemônica alemã em 2015 estava documentando a chegada desses solicitantes de asilo como um vírus. Eram relatos coletivos, a partir do ponto de vista do europeu. Era importante sair do coletivo para o individual", revela, confessando a intenção de expandir o projeto e filmar os mesmos personagens ao longo do tempo. "Pensar que não é só a chegada, mas é a estadia nesse terreno. Como a gente negocia o viver juntos?", questiona.

A abertura dos dois ao projeto foi conquistada muito por conta de espelhamentos entre eles e Karim. "Me lembro que, quando a gente começou o filme, eles diziam 'mas você fala árabe?' e eu respondia que não. 'Ah, mas isso é impossível, você se chama Karim!'. Tinha uma identificação", divide. "Tenho descoberto, cada vez mais, como cada filme vem de algum lugar profundamente seu. Meu pai é da Argélia, mas não o conheci até os 18 anos, quando saí de Fortaleza e fui morar com ele na França. Cheguei lá nos anos 1980, com o nome que tenho, e era eternamente tratado como uma coisa que eu nem sabia que era", rememora o cineasta. "No começo do filme, eu tinha raiva. A mídia mostrando como se o imigrante quisesse pegar o seguro, o que é uma mentira do fascismo. À medida que o processo foi andando, o que me encantou é que me vi no Ibrahim, no Qutaiba, e eles tinham coisas que eu queria ter tido: serenidade de encarar o contexto, coragem de recomeçar. Virou um gesto político, de dizer que aquelas pessoas tinham direito de estar ali", finaliza.