Longas de MG e RJ trazem visões imaginadas sobre o real na Mostra de Tiradentes

21:55 | Jan. 26, 2020

O filme Sofá foi destaque na programação (foto: Divulgação)

Os dois filmes exibidos na noite de sábado, 25, na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, carregam em si visões específicas de questões palpáveis trabalhadas a partir de vieses imaginativos - ora mais pautados numa concepção de realidade, ora apostando em alargamentos da mesma.

"O Lodo", filme mineiro dirigido por Helvécio Ratton, e "Sofá", longa do carioca Bruno Safadi, aproximam-se, de partida, por uma escolha estética específica: o formato de tela quadrado. No trabalho de Ratton, a opção ajuda a trazer sensação de sufocamento para uma história inicialmente apresentada como uma "comédia de burocracia". Manfredo (Eduardo Moreira) trabalha numa empresa de seguros e sente-se desanimado com o cotidiano, a namorada e a vida. Ao optar por se tratar, entra em contato com o doutor Pink, psiquiatra que acaba estimulando o paciente a remexer em memórias soterradas. No elenco, nomes do conhecido Grupo Galpão, de Minas Gerais, investem em sutilezas de construção de personagens.

Já "Sofá" aposta no quadrado enquanto aproximação com a estética do início da história do cinema, optando também, por "filtros" coloridos que compõem as cenas, em ressonância de ação comum nos filmes do cinema silencioso. A obra aproxima-se do comercial ao colocar nos papéis principais os globais Ingrid Guimarães e Chay Suede numa trama pautada na experimentação visual e narrativa, apresentada pelo diretor como uma "paródia" no início da sessão. A opção por colocar nomes conhecidos num filme como esse, ainda mais em personagens de realidades tão distintas daquelas que, sabe-se, Chay e Ingrid vivem, pode ser tanto entendida como uma forma de agregar camadas à intenção do longa se constituir enquanto paródia, quanto vista como problemática. A atriz se destaca por um trabalho quase performativo, onde corpo e voz despontam.

Numa Rio de Janeiro tomada por obras e desordem, a conhecida comediante é a professora Joana D'Arc, que foi removida da casa onde sempre viveu por conta, justamente, de uma obra da prefeitura. Chay faz Pharaó, um pirata desgarrado que ajuda Joana numa missão: levar de volta o sofá dela - encontrado novamente no mar, como que "pescado" - para o terreno onde um dia foi sua casa. Violência do Estado e desapropriações são temas fortes no longa.

Se em ambos os filmes o formato de tela é quadrado, o que é mostrado nela aponta para um extrapolar desses limites fechados. "O Lodo", baseado em um conto do autor mineiro Murilo Rubião, abre espaço para um realismo fantástico ao concretizar as memórias e mal-resolvidos de Manfredo em feridas que surgem, sangram e enfraquecem o personagem. O terreno dessa fantasia é indiscutivelmente pautado numa realidade "comum", "normal", mas atravessada por estranhezas. Já "Sofá" nasce essencialmente do exagero, propondo uma paisagem distópica, registros não realistas nas atuações e ainda outros elementos que deslocam o olhar e a atenção de quem vê.

Ambos também, de dada forma, estruturam-se enquanto tramas com toques mais melancólicos e pesados que, finalmente, encerram-se em possibilidades de abertura e de luzes no fim do túnel. Apesar dos pesares, é possível seguir, apontam os filmes. (O jornalista viajou a convite do da 23ª ª Mostra de Cinema de Tiradentes)