Crítico de dança Henrique Rochelle fala sobre o espetáculo Pra Frente o Pior

A Bienal de Dança acontece até o próximo domingo, 27, em diversos espaços de Fortaleza

12:38 | Out. 25, 2019

Imagens do espetáculo Pra frente o Pior, da Inquieta Cia., lançado em 2016 (foto: Divulgação)

Nesta edição, a Bienal Internacional de Dança do Ceará inclui em sua programação, junto do Sesc, do Porto Dragão e com a parceria do Theatro José de Alencar, a Mostra MovimentarCE. Nela, espetáculos cearenses de diversas gerações são apresentados para curadores, programadores e para o público, numa oportunidade de vermos, agrupados, diversos dos artistas que marcam a produção daqui.

Não é surpresa que os artistas do Ceará fazem trabalhos bons. A própria Bienal sempre teve preocupação e vocação em nos mostrar essa realidade. Mas é especialmente gostosa essa reunião, que abre espaço para revermos obras, e descobrirmos outras tantos.

Pra Frente o Pior, trabalho de 2016 da Inquieta Cia. é uma dessas boas surpresas. Desenvolvido no Laboratório de Pesquisa Teatral do Porto Iracema das Artes, o espetáculo já começa com os intérpretes nos avisando que aquilo que vamos ver é aquilo que vamos ver. E ao longo da obra, essa reflexão será reafirmada: é o caminho da continuidade, sem enfeites ou propósitos.

Sempre de mãos dadas e braços que vão se entrecruzando, eles dançam, mas sem nenhuma celebração. O corpo vibra, entre o nervoso e o medo, e se força ao movimento, aqui limitado a uma pequena faixa horizontal do palco, coberta de piso metalizado, e ladeada por placas de metal. Nesse corredor, eles vão de um lado para o outro — se puxando, se empurrando, forçando o movimento para frente e contínuo.

Não é uma reflexão sobre desejo nem impulso. Não se trata de garra ou de vontade. É o que é. Às vezes as mãos escorregam, os pés tropeçam, o grupo tem arremessos adiante. Eles batem nas placas das bordas, que ressoam como trovões, magnificados pelo ótimo desenho de som do espetáculo.

Eles se estranham, se enfrentam, se lambem, se mordem, se cospem, se chutam, arrancam pedaços de roupas com os dentes, se derrubam, se arrastam, se forçam a levantar, e a continuar em frente.

O trabalho é de uma violência tocante, às vezes eufórica. Sempre contínua, e ainda que em momentos pareça amortecida, nunca é acalmada. Seguir em frente, mesmo que a gente se desfaça. É a metáfora máxima da condição humana como eles nos mostram.

Pra frente o pior, e mesmo assim nos arrastamos em frente. É a história da humanidade em seu constante declínio. Progredindo, continuando, seguindo. Dolorosamente. Aos trancos e barrancos.

Henrique Rochelle é crítico de dança, editor dos sites Da Quarta Parede e Criticatividade