Segurança e qualidade: o papel crucial da redução de erros na saúde
Em entrevista ao OPOVO, Helena Barreto, vice-presidente da Sobrasp, destaca estratégias e o papel do paciente na notificação de eventos adversos
15:59 | Jul. 11, 2025
O sistema de saúde brasileiro, para além de todo impacto positivo que exerce, é também repleto de falhas e erros técnicos, desde medicações até procedimentos cirúrgicos, conhecidos como eventos adversos, que podem afetar a segurança e o bem-estar do paciente.
A Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP) é também responsável por criar uma relação com todos os profissionais da saúde e com a sociedade, na tentativa da diminuição desses eventos. A entidade está alinhada na promoção do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), instituído pelo Ministério da Saúde em 2013,
Em entrevista ao OPOVO, Helena Barreto, médica e vice-presidente da Sobrasp, destaca quais são as estratégias que a instituição vem colocando em prática para a mudança desse cenário, os desafios e oportunidades para essa redução.
Ela também explica quais são as abordagens aplicadas em relação aos erros clínicos, os protocolos para garanti a segurança, além de orientar como pacientes devem prosseguir em casos de erros assistenciais.
Confira a entrevista completa com Helena Barreto:
OPOVO — Considerando o papel da Sobrasp, quais são as principais iniciativas e estratégias implementado para avançar nesse campo, incluindo a formação de profissionais e a conscientização sobre o conceito de “dano zero”?
Helena Barreto — Atualmente, para o investimento na formação desses profissionais, seguimos promovemos eventos, webinários, cursos e congressos. Além disso, buscamos representatividade ao Ministério da Saúde para contribuir com o desenvolvimento e a melhoria da segurança da assistência no país.
Na Hospitalar 2025, maior evento de saúde da América Latina, lançamos um manifesto direcionado principalmente às lideranças da área da saúde. É fundamental compreender que o “dano zero” acontece em sistemas seguros. A segurança não é uma propriedade individual de cada profissional de saúde, mas sim uma propriedade do sistema e do ambiente de trabalho, que precisa ser seguro.
Nosso propósito é alcançar o princípio de “nenhum dano ao paciente”, reconhecendo que nenhum profissional de saúde deseja causar dano. Portanto, precisamos criar instituições que sejam seguras e confiáveis nesse aspecto.
OP- Como a Sobrasp aborda a prevenção de danos e qual a importância da humanização e da comunicação na construção de um cuidado mais seguro e centrado no paciente?
Helena Barreto — A consciência mais importante é entender que podemos causar danos mesmo sem querer, e que existem maneiras de prevenir isso. Uma delas é tornar os pacientes verdadeiros parceiros no cuidado. Isso não significa apenas orientar as prescrições, mas discutir com eles o melhor tratamento e compreender suas limitações.
Para além das instituições e lideranças seguras, precisamos de profissionais qualificados e capacitados que se sintam seguros para apontar quando algo pode dar errado, o que chamamos de segurança psicológica, e que também incluam os pacientes, não apenas ouvindo a queixa física ou o problema de saúde, mas considerando todo o contexto do paciente.
OP - Como vocês enxergam o papel dos profissionais de saúde na prevenção de erros, e de que forma a discussão sobre erros na assistência tem evoluído no Brasil para promover sistemas mais seguros?
Helena Barreto — O profissional de saúde é um grande aliado que deve participar desse processo de identificação de onde os erros podem acontecer. A liderança e o trabalho em equipe são preceitos fundamentais para alcançarmos a segurança do paciente.
Sobre erros na assistência, que podem acontecer em qualquer momento do cuidado, estamos avançados. Por exemplo, o Ministério da Saúde já possui protocolos de segurança do paciente desde 2013, que são padrões a serem seguidos por todas as organizações. Quase 10% dos hospitais no país já buscam processos de acreditação, que é o reconhecimento de que aquele hospital funciona conforme os padrões de qualidade e segurança do paciente.
Tudo isso tem contribuído para trazer a discussão do erro na assistência para o público em geral, incentivando a participação do governo, instituições e associações na busca por soluções que contribuam para reduzir esses erros.
OP - Sobre o cenário atual da saúde, quais são as oportunidades existentes para garantir a qualidade e a segurança do paciente?
Helena Barreto — Sobre as oportunidades, estamos avançados. Em abril, houve alteração da Lei Orgânica da Saúde, por meio da Lei nº 15.126, que inclui a atenção humanizada como um dos princípios do SUS. Isso incide em um acolhimento qualificado e respeitoso, valorizando a dignidade do paciente e sua participação no cuidado.
A Inteligência Artificial (IA) também se apresenta como uma grande aliada para o futuro da segurança do paciente. Ela pode nos ajudar a criar sistemas robustos, que vão desde o apoio direto à atividade do profissional de saúde até a organização do fluxo de pacientes em hospitais e sistemas de saúde.
OP - E quais são os desafios?
Helena Barreto — O primeiro está na formação dos profissionais de saúde, onde o tema qualidade e segurança precisa ser melhor desenvolvido. Em segundo lugar, é pensar o erro para além da negligência, que embora existam, a grande maioria são resultados de múltiplas causas. A percepção de que errar é humano e que devemos buscar sistemas seguros que evitem o dano é crucial.
Buscamos as notificações de incidentes, para sabermos o que está acontecendo, fazendo planos para evitar que se repitam. Por fim, os sistemas de saúde no mundo todo ainda não dão conta de todo o acesso ou da oportunidade de acesso a especialistas em tempo hábil.
Vivemos crises de superlotação em hospitais e emergências, e há áreas que não têm assistência. Grandes distâncias de centros urbanos têm menos especialistas, e os profissionais que atuam talvez tenham menos oportunidades de aprendizado.
OP - Como a SOBRASP orienta o paciente em casos de erros na assistência?
Helena Barreto — Nossa orientação geral é clara: não podemos corrigir o que não sabemos que está errado. Portanto, sempre que houver uma situação com um desfecho inesperado, a primeira ação é comunicar o ocorrido.
Atualmente, quase a totalidade dos hospitais no país já possui um Núcleo de Segurança do Paciente. A criação desses núcleos em hospitais, atenção primária e clínicas é uma das diretrizes do Programa Nacional de Segurança do Paciente.
A orientação para os pacientes é que busquem a ouvidoria do hospital ou o Núcleo de Segurança do Paciente. Muitos hospitais possuem sistemas de notificação de incidentes que são abertos tanto para profissionais de saúde quanto para pacientes. Essas notificações podem ser anônimas, permitindo o registro sem identificação.
O hospital, então, encaminha a notificação para análise interna. Em casos de acidentes graves, é realizada uma análise mais complexa, conhecida como análise de causa raiz, mas todos os incidentes notificados são analisados. É importante ressaltar que os hospitais também notificam a Anvisa sobre seus incidentes, e a agência publica relatórios com esses dados.
Se o paciente desejar uma resposta para entender o que aconteceu, ele pode fazer uma notificação não anônima, o mais crucial é saber o que está acontecendo para buscar sistemas cada vez mais seguros. A contribuição do paciente nesse ponto é fundamental, pois ele é quem recebe o cuidado e pode compartilhar sua experiência com as instituições onde é atendido.
Nos últimos anos, temos focado no profissional de saúde, mas agora buscamos uma maior aproximação com pacientes e familiares. O paciente nunca será um antagonista; ele é sempre um parceiro que ajudará a atingir o objetivo comum: o meu, como profissional de saúde, e o dele, como alguém que busca assistência.
Vale ressaltar que a notificação de erros por parte dos profissionais é fundamental. No entanto, ainda há muita resistência, pois ninguém gosta de errar. Contudo, eventos notificados, de modo geral, não geram retaliação, a menos que se trate de violações flagrantes, tratadas nos conselhos profissionais.
OP - O que é os protocolos relacionados a segurança do paciente? Quais são eles?
Helena Barreto — Esses protocolos nacionais, alinhados com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Joint Commission International (JCI), são aplicados tanto no SUS quanto na rede privada. Eles devem ser cumpridos por todas as organizações e são transformados em rotinas que incidem nos processos onde se sabe que muitos erros acontecem, e que, na maioria das vezes, podem ser evitados. As metas são:
- Identificação correta do paciente: Sempre que formos administrar medicamentos ou realizar alguma intervenção, devemos chamar o paciente pelo nome completo e usar outro identificador, como a data de nascimento, para confirmar que é a pessoa correta.
- Comunicação efetiva: Isso envolve garantir uma comunicação clara com o paciente, verificando se ele compreendeu as informações, mas também entre os próprios profissionais de saúde. Em um cuidado tão complexo, a transição do cuidado entre profissionais e a alta dos pacientes de um hospital para a atenção primária, por exemplo, exigem uma comunicação impecável.
- Segurança com medicamentos: Envolve uma série de medidas para evitar erros na prescrição, preparação, administração e aquisição de medicamentos, uma área muito ampla e complexa.
- Cirurgia Segura: Propõe o uso de uma lista de verificação antes e ao final dos procedimentos invasivos e cirúrgicos para garantir que nada foi esquecido e que condições que poderiam causar dano potencial ao paciente foram antecipadas.
- Prevenção de Infecções: Desde o início, foca muito na adesão à higienização das mãos. Atualmente, trabalhamos com medidas para evitar infecções em pacientes que usam cateteres vesicais, venosos e que necessitam de ventilação mecânica.
- Prevenção de quedas e lesões por pressão: uma série de medidas para evitar tais ocasiões.