Lei proíbe reajuste acima da inflação para terceirizados e sindicato cobra mudanças

Seeaconce diz que regra dificulta negociações e afeta salários de trabalhadores de menor renda no Ceará

14:53 | Dez. 23, 2025

Por: Marcelo Bloc
Sindicato durante audiência pública na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, em novembro (foto: Cintia Silva/Seeaconce)

A sanção da Lei nº 19.212, de 3 de abril de 2025, pelo governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), estabeleceu novas regras para a repactuação de contratos administrativos de serviços terceirizados no âmbito do Poder Executivo do Ceará.

Embora a legislação tenha como objetivo regulamentar o repasse de valores às empresas contratadas, o Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação e Condomínios do Estado do Ceará (Seeaconce) faz críticas à medida. Representada pela presidente Penha Mesquita, a entidade afirma que a lei prejudicaria o ganho real dos trabalhadores, fragilizando relações trabalhistas.

A lei

A nova legislação determina que contratos de execução indireta de serviços, com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, sejam repactuados anualmente. O texto, no entanto, impõe um teto para reajustes, limitando-os ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou ao índice de revisão geral dos servidores públicos estaduais — prevalecendo o maior.

A lei também estabelece que a limitação não deve interferir nas negociações coletivas, cabendo às empresas contratadas o pagamento de valores que eventualmente excedam limite de repasse do Estado. Para Penha Mesquita, contudo, essa previsão soa como "cinismo ou escárnio", já que, na prática, as empresas utilizam o limite imposto pelo governo como justificativa para negar reajustes acima da inflação durante as negociações.

Sindicato questiona

Segundo a representante, as negociações salariais sempre ocorreram entre o sindicato patronal e o sindicato dos trabalhadores, sem interferência direta do governo. "O governo sempre quis fazer parte dessa mesa de negociação, a gente nunca aceitou porque a gente entende que a negociação é entre as partes, quem contrata e quem trabalha", afirmou ao O POVO.

Ela avalia que, com a nova lei, o governo tentou se inserir no processo "de forma mais legalizada", sob o argumento de redução de custos.

"Porém, ela reduz os contratos para as empresas, e as empresas terceirizadas já demonstraram que, em várias mediações no Ministério do Trabalho que nós tivemos, não têm a menor possibilidade de conseguir manter um contrato da forma que o Governo do Estado está querendo contratar", argumentou.

Segundo a sindicalista, embora as empresas sejam obrigadas a participar das licitações, os impactos acabam recaindo sobre os trabalhadores, com retirada de direitos, atrasos salariais, férias não pagas e supressão de benefícios.

"A lei criada vem contra o que diz o Governo Federal, por exemplo. O Governo do Estado está reduzindo jornada de trabalho, carga horária de 44 para 40 horas, com redução do salário. E diz às empresas que isso não vai refletir nas negociações, o que não é verdade", pontuou.

Penha Mesquita afirma que a categoria — que representa cerca de 90 mil servidores, sendo "25 mil a 28 mil trabalhadores" afetados pela lei no âmbito estadual — nunca negociou apenas a reposição inflacionária, buscando sempre ganho real para preservar o poder de compra acima do salário mínimo.

"O trabalhador que recebe menor salário é quem está sendo mais prejudicado. E é quem levanta as instituições. Um hospital não funciona sem os zeladores, uma escola não funciona sem a merendeira, sem a portaria. Todos esses funcionários são terceirizados", lamentou.

Queixas apresentadas pelo sindicato:

  • Impedimento de ganho real: a indexação ao IPCA limita os reajustes à reposição inflacionária, inviabilizando aumentos salariais efetivos.
  • Redução de direitos e salários: o sindicato afirma que mudanças contratuais têm resultado em diminuição da remuneração e perda de benefícios, atingindo principalmente trabalhadores de menor renda, como zeladores, merendeiras e porteiros.
  • Inadimplência das empresas: a pressão por custos mais baixos leva empresas a vencerem licitações com valores considerados inviáveis, o que resulta em atrasos de salários, férias, benefícios e depósitos de FGTS. Penha citou o caso do grupo Criarte, que entrou em colapso após assumir diversos contratos, deixando trabalhadores sem verbas rescisórias.
  • Falta de diálogo: o sindicato afirma ter enviado diversos ofícios solicitando audiência com o governador Elmano de Freitas, sem retorno até o momento.

Próximos passos

Diante do impasse, o Seeaconce encaminhou ofícios a parlamentares, como o deputado estadual Alisson Aguiar (PcdoB) e a senadora Augusta Brito (PT), buscando intermediação.

Paralelamente, o corpo jurídico do sindicato elabora um levantamento detalhado dos prejuízos causados pela aplicação da lei, visando tentar reverter ou alterar os pontos considerados mais prejudiciais à categoria. A intenção é apresentar o estudo ao governador, embora a entidade afirme que Elmano ainda não tem data para recebê-los.

A situação dos trabalhadores terceirizados, descrita por Penha como um "enxugar gelo" diante da rotatividade de empresas e da repetição de problemas estruturais, evidencia a fragilidade da categoria, que a presidente define como "essencial para o funcionamento de hospitais, escolas e repartições públicas".

Governo

A reportagem procurou a Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag) do Ceará para solicitar posicionamento sobre o caso e sobre as demandas da categoria por reuniões. Até o momento da publicação da matéria não houve resposta por parte da gestão. Caso haja retorno, o material será atualizado.