Algoritmo e IA são terreno fértil para a literatura, diz Mariana Enriquez

12:58 | Out. 14, 2025

Por: Esther SÁNCHEZ

A escritora e jornalista argentina Mariana Enriquez, conhecida por usar o gênero do terror para fazer crítica social, considera que "o algoritmo, a inteligência artificial, o telefone e as redes sociais" são propícios para a literatura e a arte, até mais do que as políticas de certos governos.

Enriquez, de 51 anos, é uma das vozes mais conhecidas da narrativa gótica e seus livros, multipremiados e traduzidos para vários idiomas, tratam de temáticas sociais como a pobreza, a desigualdade e a violência de gênero.

"O comum em todo o mundo não é tanto a guinada reacionária dos governos, mas sim o algoritmo, a inteligência artificial, o telefone e as redes sociais", diz a escritora em entrevista à AFP em Paris.

"Isso está muito mais relacionado com o literário e com narrar as vidas cotidianas, a paranoia, a crueldade e a loucura do que os governos", acrescenta Enriquez ao lembrar que a arte em geral fala de "ansiedades e medos sociais".

"As pessoas estão longe dos governos e muito perto do discurso paranoico e desumano das redes", aponta Enriquez, durante a promoção da tradução francesa de "Un lugar soleado para gente sombría", um volume de 12 contos, vários dos quais serão adaptados para uma minissérie da Netflix dirigida pelo chileno Pablo Larraín.

A escritora insiste no sentido literal de desumano em um sistema, o das redes, no qual a maioria dos discursos não é feito por pessoas, mas por robôs.

Atualmente, diz, quando lemos notícias ou vemos imagens, não sabemos se é uma imagem que representa a realidade ou não, se é uma notícia falsa, se é um rosto real ou modificado pela inteligência artificial, não se sabe se estamos conversando com uma pessoa ou com um robô...

"É a primeira geração de seres humanos que convive com esse tipo de robô", adverte. "É claramente aterrorizante", completa.

- "Uma frustração a mais" -

Perguntada sobre seu país, onde o presidente ultraliberal Javier Milei atravessa uma crise política após reduzir drasticamente a inflação e alcançar um histórico superávit fiscal, mas às custas da depreciação do peso e do corte de subsídios, Enriquez responde que a situação é "muito ruim".

Em sua opinião, após quase dois anos de mandato, sua política é "um fracasso". Mas "isso não é uma boa notícia (...) A Argentina precisa melhorar e ter um bom governo que a faça avançar, e um fracasso a mais é uma frustração a mais, é um desespero a mais".

A autora de "Nossa parte de noite" busca entender como se chegou a essa situação.

"Não acredito que Milei seja um marciano", diz. "É parte de um processo de desespero das pessoas na Argentina que não encontram saídas políticas para os intermináveis problemas econômicos e sociais e que apostaram em uma saída louca".

Poderia Milei, com a motosserra na mão e que considera seus cães como "seus filhos de quatro patas", transformar-se em um dos personagens de suas histórias?

"Não", responde. "Em geral, nenhum personagem político está em meus contos, o que aparece são as situações sociais que certas políticas provocam, mas nunca usei nenhum".

"E a verdade é que ele não é o primeiro presidente muito chamativo no país, são vários... Não são figuras que me atraem literariamente", acrescenta.

Vencedora do Prêmio Ibero-americano de Letras José Donoso em 2024, Enriquez utiliza a narrativa de terror para retratar uma realidade que, segundo ela, tem "muitas dimensões".

"Não tenho vontade de escrever literatura que se pareça com a realidade porque, na minha opinião, ela tem poucas possibilidades de representar o quão estranha é a vida", afirma. "Para mim, o cotidiano e o que nos acontece é profundamente estranho".

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