É proibido proibir? Os ecos do Maio de 1968 na Cultura, ontem e hoje

O movimento político marcado por greves e manifestações de operários e estudantes se reflete também na produção cultural dentro e fora da França. E atravessa gerações

16:32 | Mai. 23, 2018

Discurso de Caetano no Festival de Música Brasileira provocou reações negativos do público (foto: )
É quase mitológica a dimensão dos movimentos que fizeram Maio de 1968 entrar para a história. De Paris a Fortaleza, do imperialismo dos Estados Unidos ao Ato Institucional nº 5 (AI-5). Os 50 anos do período marcado pelas greves e manifestações de operários e estudantes se reflete também na produção cultural dentro e fora da França. E atravessa gerações.
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Independentemente da ebulição social, cultural e política que começou em território europeu e se espalhou por diversos países, o Brasil já vivia uma década de ruptura. Em 31 de março de 1964, começava o golpe militar, com a deposição do presidente João Goulart, resultando em um regime autoritário que durou mais 20 anos.

Foi naquela época que surgiu o Festival de Música Brasileira, dando espaço a discussões na música tradicional e moderna, em uma batalha entre a Música Popular Brasileira e o rock influenciado pelas guitarras gringas. Em 1967, Caetano Veloso rompeu com que o que vinha sendo apresentado com "Alegria, Alegria", cantando ao lado da banda Beat Boys. E Gilberto Gil fez o mesmo com "Domingo no parque".

[SAIBAMAIS]No ano seguinte, Caetano voltou ao palco do Teatro da Universidade Católica de São Paulo, dessa vez acompanhado dos Mutantes, para gritar: "Vocês não estão entendendo nada!" no III Festival Internacional da Canção (FIC), promovido pela Rede Globo. Uma dura crítica inflamada por reações de diferentes setores da sociedade. Em 15 de setembro de 1968, Caetano, como manifesto, cantou "É Proibido Proibir". Um acontecimento que definiu sua geração, mas era tratado também como "loucura" por quem não entendia a mensagem.

Professor do departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gabriel Ferreira Zacarias avalia que 68 é um ponto de chegada de uma movimentação cultural em relação à anterior. Para ele, marca a passagem de uma forma de expressão política para a juventude.

Em 68, surgem os movimentos que passam a se apropriar de elementos culturais como veículos de mensagens políticas, de contestação. Um exemplo disso é usar quadrinhos conhecidos com balões modificados, com textos muitas vezes complexos. Estratégia ainda usada, hoje vista até em meme na Internet.

"A linguagem de contestação é hoje tão comum que o caráter disruptivo se perdeu. Não causa mais estranhamento", pondera. "Após 68, veio a contracultura, com a emergência da juventude enquanto ato político. A indústria cultural tenta atender a essa demanda da juventude, tentando controlar a ruptura".

As lutas pós 68

Pensar na ampliação nas formas de expressão como contracultura remete, por exemplo, ao movimento punk e ao grafite. É nesse ponto que a cultura passa a se transformar em um fundamental campo político e se torna eixo central de produção do capitalismo. Das minissaias às relações sexuais, muito do costume também mudou. Assim como as lutas. 

"O fato é que, hoje, as lutas políticas não estão mais em torno das classes, como em 68, mas em torno das pautas identitárias. Grupos tentam marcar seu espaço dentro da lógica representativa a partir de uma identidade cultural definida", aponta Gabriel Ferreira. 

"Enquanto em 68 vigorava uma mediação mais ampla, entraram as relações de gênero e de sexualidade. Mais especificamente na França, em 71, com importante iniciativa do movimento homossexual", conta o professor da Unicamp. Nos anos 70, a Escola Superior de Belas Artes de Paris foi ocupada pelos estudantes, onde produziam materiais de protesto. Em 74, os movimentos contestatórios passaram a ser impedidos de agir nas dependências da instituição.

Para o grafiteiro cearense Marquinhos Abu, membro do Coletivo Aparecidos Políticos, as intervenções não eram muito diferentes do que é feito hoje. O coletivo, assim como tantos outros que surgem na Capital, reflete resistência. Reagindo à repressão que, segundo Abu, nunca mudou. 

"O golpe de 2016 e a ditadura têm praticamente o mesmo modus operandi, são períodos parecidos. Assim como o posicionamento dos Estados Unidos em relação às Forças Armadas aqui no Brasil", diz. "A gente mora em um País que apaga sua memória. É só olhar para a história do negro e o projeto de apagamento. Colocar isso na rua e questionar as pessoas é nossa forma criativa de resistir. E as artes conseguem atravessar bloqueios que são vestígios da ditadura militar, como a criminalização dos movimentos sociais". 

As barricadas abriram caminho?

Não a toa um dos grandes pontos de difusão cultural no Ceará, o Festival Maloca Dragão, tratou os 50 anos de Maio de 68 em sua última edição. De acordo com o presidente do Instituto Dragão do Mar, Paulo Linhares, o atual momento do País guarda singularidades com o passado. Ele destaca o momento de reconhecimento conservador em relação a comportamento e política. 

Para Linhares, há uma diferença fundamental entre as juventudes de 1968 e 2018: "Em maio de 68 era um momento de utopia. Uma juventude explosiva do ponto de vista da libertação. Hoje a juventude está mais descrente. E hoje o passado se repete de forma mais sombria aqui no Brasil". 

"As grandes narrativas que mobilizavam essas juventudes se desconstruíram", continua. "Elas foram estraçalhadas e não conduzem mais a juventude e nem a política. Hoje ninguém mais acredita em uma revolução. A ideia é reformista, não de ruptura".
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