Clubes femininos renascem em Londres

Esses lugares serviam de "refúgio para as mulheres de classe média", um momento de alívio frente às exigências familiares e sociais, ou, "como resumiu Virginia Woolf, 'um teto todo seu'"

13:22 | Mar. 08, 2018

NULL (foto: )

[FOTO1] 

À imagem do que fazem os "gentlemen" há séculos, os clubes privados de mulheres ressurgem em Londres, um fenômeno que se cruza com as origens do pioneiro feminismo britânico. A poucos passos da Oxford Street, grande artéria comercial do centro da capital britânica, fica uma elegante casa de tijolos de cinco andares e estilo georgiano, muito característica da arquitetura londrina.

[SAIBAMAIS] 

A casa abriga o recém-criado "AllBright", o último de uma série de clubes privados femininos. Fundado por Debbie Wosskow, de 43 anos, uma ex-empreendedora do setor de tecnologia, e por Anna Jones, de 42, ex-diretora da filial britânica do grupo de mídia Hearst, o clube conta com 400 membros e com uma longa lista de espera. A instituição se dedica às "mulheres ativas".

 

"Tentamos fazer um lugar que celebre as mulheres. Por mulheres e para mulheres. O tipo de lugar que faltava" em Londres, disse Anna Jones à AFP. Inegável é o fato de o Reino Unido ter uma primeira-ministra (Theresa May), mas igualmente inegável é que se está longe da igualdade entre os sexos, ressaltou Debbie. Além disso - lembra-se -, o Parlamento conta com apenas um terço (32%) de deputadas. Na Espanha, ou na França, por exemplo, esse percentual é maior, em torno de 40%, segundo a organização mundial União Interparlamentar. "A situação das mulheres trabalhadoras tem que mudar no Reino Unido, e acreditamos que o AllBright faça parte da solução", insistiu.

 

Aqui, nada de salões para fumar charutos cubanos, nem poltronas de couro, alguns símbolos dos clubes masculinos: a decoração é aconchegante e clara, entre britânica e escandinava, propícia ao relaxamento com seus sofás fundos, mas também propícia ao trabalho, com várias mesas para coworking. No térreo, virado para a rua, o AllBright dispõe de um café que serve bebidas quentes e saladas e, no primeiro andar, há um bar art déco. Nos salões dos pisos superiores, o ambiente é de estudo, e se ouve apenas o teclar dos computadores com jazz ao fundo.

 

Nise Brothers chegou ao clube às 10h. Foi buscar café e começou a trabalhar em uma pilha de dossiês. Para essa nutricionista de 38 anos, o clube é o lugar perfeito para ganhar clientes e fazer contatos. "Sou especializada no trabalho com mulheres. Então, para mim, é lógico estar em um lugar como esse", explicou essa britânica de origem canadense, de penteado afro e camisa preta de flores bordadas. "Quando estamos entre mulheres, é diferente", comentou. "Isso não significa que a presença de homens seria negativa, mas que os lugares feitos para as mulheres tendem a ser mais acolhedores", acrescentou.

 

O AllBright e outros, como o We Heart Mondays, aberto no final de 2017, conectam-se com uma certa tradição de clubes privados femininos. Embora nunca tenham rivalizado em influência e em número com os masculinos, instalados em Londres há três séculos, os clubes femininos tiveram seu papel na história da cidade e contribuíram para a luta pela igualdade de direitos.

 

Um deles foi o Pioneer Club, fundado em 1892 por Emily Massingberd e então considerado um círculo cultural vanguardista e feminista. Essas associações "foram, para as mulheres, uma tentativa de reivindicar um espaço social, em particular nos centros urbanos", explicam David Doughan e Peter Gordon em seu livro "Women, Clubs and Associations in Britain" ("Mulheres, clubes e associações na Grã-Bretanha", em tradução literal).

 

Esses lugares serviam de "refúgio para as mulheres de classe média", um momento de alívio frente às exigências familiares e sociais, ou, "como resumiu Virginia Woolf, 'um teto todo seu'". Não surpreende, portanto, que a citação da escritora britânica ("Uma mulher deve ter dinheiro e um teto todo seu ") esteja inscrita na entrada do AllBright. O movimento nas redes sociais #MeToo criou "uma dinâmica" para os direitos das mulheres, considerou Anna Jones. "Acredito que fazemos parte dela", completou. 

 

 

AFP