Preso em 2012 e acusado de promover "desobediência" e "interferência estrangeira", Al-Nimr era um dos principais líderes da minoria xiita na Arábia Saudita. Sua execução levou à ruptura diplomática entre Teerã e Riad.
Um crítico proeminente do regime saudita, Nimr Baqir al-Nimr, de 56 anos, havia sido sentenciado à morte em outubro de 2014 num julgamento que foi classificado pela Anistia Internacional como "repleto de falhas". Nos últimos meses, diversas organizações de direitos humanos, grupos xiitas e parentes do clérigo apelaram pela comutação da pena.
Analistas chegaram a apostar que a Arábia Saudita não teria a ousadia de cumprir a sentença, mas Al-Nimr foi finalmente executado, no sábado (02/01), com outras 46 pessoas incluindo dezenas de condenados por terrorismo.
Segundo a ONG britânica Reprieve, pelo menos quatro dos executados, entre eles o clérigo xiita, eram na verdade prisioneiros políticos. Não foram divulgados detalhes sobre a forma de execução normalmente, esse tipo de sentença no reino sunita é levada a cabo por meio de decapitação.
Após a divulgação da morte de Al-Nimr, foram registrados protestos no Líbano, Paquistão e especialmente no Irã onde a embaixada saudita em Teerã foi incendida e saqueada por manifestantes.
Trajetória de um ativista xiita
Relativamente desconhecido no Ocidente, o clérigo Al-Nimr era um dos principais líderes da minoria xiita da Arábia Saudita, país governado por um regime autoritário sunita, uma vertente rival do islã.
Baseado em seu vilarejo natal, Al-Awamiyah, no nordeste do país onde se concentram a maioria dos xiitas sauditas , o clérigo começou em 2008 a acusar publicamente em sermões o regime de discriminação contra a minoria.
De acordo com um relatório da Human Rights Watch divulgado em 2009, os xiitas na Arábia Saudita enfrentam uma "discriminação sistemática" na educação, na Justiça e no mercado de trabalho do país.
Antes de se destacar localmente como clérigo, Al-Nimr chegou a estudar teologia no Irã nos anos 80 país de maioria xiita e na Síria. Outras informações sobre sua trajetória são escassas.
De acordo com pesquisador Toby Matthiesen, da universidade de Oxford e autor de um livro sobre os xiitas, ele vinha de uma família influente. Um de seus avôs já havia liderado uma revolta em Al-Awamiyah contra missionários sunitas e coletores de impostos da Casa de Saud em 1929. Ainda segundo Matthiesen, o papel de Al-Nimr estava inserido em uma longa tradição de ativismo xiita que remonta à fundação do reino saudita, no início dos anos 30.
Em documentos divulgados na internet, Al-Nimr descreveu que havia sido um seguidor do aiatolá Mohammad al-Husayni al-Shirazi, um dos rivais do aiatolá Khomeini que tomou o poder no Irã em 1979.
Após a morte de Al-Shirazi em 2001, Al-Nimr passou a seguir o aiatolá iraquiano Mohammad Taqi al-Mudarrasi, favorável a uma forma de governo democrática e que se opõe ao tipo de regime teocrático em vigor no Irã. Não surgiram informações de que Al-Nimr fosse filiado a qualquer organização xiita radical, como o braço saudita do Hisbolá.
Em 1994, Al-Nimr voltou à Arábia Saudita. Segundo um de seus irmãos, ele costumava ser interrogado regularmente pelas autoridades e chegou a ser detido diversas vezes entre 2003 e 2008.
Em 2009, ele convocou pela primeira vez os xiitas sauditas a protestarem contra o governo. Após uma série de choques entre a polícia e manifestantes, Al-Nimr permaneceu na obscuridade por vários meses.
Foi só durante o início da Primavera Árabe, em 2011, que o clérigo convocou novos atos. Apoiadores e parentes afirmam que ele pediu para que as demonstrações fossem pacíficas, mas a reação do governo foi dura. De acordo com a Human Wights Watch, 1.040 pessoas foram presas.
Segundo Matthiesen, Al-Nimr era o único clérigo xiita local digno de nota que se opunha abertamente contra o regime, enquanto outros líderes religiosos procuravam uma acomodação com a família Al Saud. "Com seu discurso e participação nos protestos, Al-Nimr colocou a si mesmo na linha de frente dos protestos. Ele virou um símbolo enquanto as emoções se exacerbaram", afirma Matthiesen.
No ano seguinte, foi a vez de o regime ordenar a prisão de Al-Nimr. Entre as acusações estavam a de promover a "interferência estrangeira no reino", "desobediência" e "uso de armas contra o governo".
À época, as circunstâncias de sua detenção geraram mais protestos no país, que provocaram pelo menos três mortes em confrontos com a polícia. A Anistia Internacional afirmou ter recebido informações de que o clérigo foi baleado na perna ao ser levado pelos policiais.
Segundo a ONG, o clérigo passou o seu primeiro ano na prisão em isolamento total e chegou a fazer greve de fome. Ele também sofreu com problemas de saúde de acordo com a organização, sua perna ficou paralisada após o incidente com a polícia e mau tratamento nas mãos dos carcereiros.
Na mesma época, o sobrinho de Al-Nimr, Ali, que tinha apenas 17 anos, também foi preso. Ali, que hoje tem 20 anos, também foi condenado à morte e ainda aguarda ser executado.
Wikileaks cita encontro com diplomatas dos EUA
Segundo documentos vazados pelo Wikileaks, o clérigo chegou a se reunir com diplomatas dos EUA país aliado do regime saudita em 2008. À época, os representante americanos ainda classificaram Al-Nimr como uma "figura de segundo plano" que vinha ganhando popularidade entre os jovens no nordeste do país e que suas palavras encontravam ressonância entre as classe mais baixas.
Os diplomatas descreveram Al-Nimr como uma figura religiosa que havia começado sua carreira como um clérigo "apolítico", que só passou a fazer comentários contra o regime por causa do seu desejo de aumentar a influência da comunidade xiita.
Os americanos também relataram que Al-Nimr havia dito no encontro que os sauditas pintavam suas declarações de forma "mais radical" do que seu verdadeiro conteúdo e que ele era contra qualquer tipo de violência para forçar mudanças no país e estava comprometido com a realização de eleições livres e justas.
Por fim, os diplomatas revelaram que Al-Nimr fez comentários elogiosos em relação aos EUA e estava tentando se distanciar do Irã. Segundo os documentos, Al-Nimr acreditava que os xiitas iranianos não deveriam esperar algum tipo de apoio iraniano baseado numa vaga noção de aliança sectária que superasse a política local saudita.
Autor: Jean-Philip Struck