Renúncia como premiê arranha imagem de Juncker, o "europeu exemplar"
Respeitado pela carreira na UE e por defender posições fortes, político sofre duro revés ao ter que renunciar, em meio a escândalo, como primeiro-ministro de Luxemburgo, cargo que ocupou por quase duas décadas.
Para muitos, ele é a cara da zona do euro. Durante oito anos até o início de 2013 Jean-Claude Juncker conduziu as negociações dos ministros das Finanças dos 17 países de moeda comum. Como presidente do Eurogrupo, ele criou pacotes de resgate, cortes da dívida e uma supervisão uniforme sobre bancos em crise. Juncker é, como brincam alguns diplomatas, o mediador ideal, mas com duas falhas: tem uma opinião e também a defende.
A piada, contada com prazer em Bruxelas, agrada ao próprio luxemburguês. Ele é afeiçoado a formulações irônicas, especialmente quando se trata de apresentar resultados de negociações ou passar um recado a jornalistas. "Eu não tenho que lidar agora com uma questão que não se coloca no momento. Se o burro fosse um gato, passaria o dia todo sentado numa árvore."
A resposta é uma prediletas que ele dá a repórteres quando lhe fazem uma pergunta hipotética. Certa vez, em Bruxelas, ele chegou mesmo a morder o protetor de vento cinza do microfone de uma jornalista de brincadeira, é claro.
Jean-Claude Juncker não se vê exatamente como um mediador e diz que entre os ministros de Finanças da zona do euro há gritos e discussões acirradas. "Não é possível transmitir ao vivo", brincou Juncker numa entrevista.
Habilidoso no trato com jornalistas e nas negociações em Bruxelas, Juncker não conseguiu, em seu país, evitar um escândalo que teria passado despercebido na Europa se não tivesse culminado na sua renúncia. Na quarta-feira (11/07), o chefe do governo luxemburguês anunciou que deixaria o cargo que ocupou nos últimos 18 anos.
O Parlamento acusa o político de 58 anos, jurista de formação, de ter negligenciado o controle sobre o serviço de inteligência luxemburguês. Investigações para o esclarecimento dos misteriosos atentados a bomba de 1984 a 1986 em Luxemburgo teriam sido obstruídas.
O pequeno grão-ducado, expremido entre Alemanha, Bélgica e França, tem somente meio milhão de habitantes. Desses, 60% são cidadãos luxemburgueses, o resto é composto por estrangeiros a maioria emprega nos muitos bancos ou instituições europeias instalados no país.
Dois suspeitos de colocar bombas estão respondendo processo perante a Justiça. Os verdadeiros autores não foram presos até hoje. Os serviços de inteligência da Otan e até mesmo a nobreza do grão-ducado podem estar envolvidos, especulam a imprensa luxemburguesa e alemã.
Juncker rebateu as acusações, mas renunciou, evitando assim uma moção de desconfiança no Parlamento. O chefe de governo mais antigo da União Europeia (UE) admitiu que, na crise de endividamento, passou tempo demais no Eurogrupo. "Não foi nenhum divertimento", disse ele em entrevista à Deutsche Welle durante seu mandato. Por esse motivo, após deixar a presidência do Eurogrupo, ele disse querer se ocupar mais com Luxemburgo.
Possível retorno
Os chefes de governo e Estado da União Europeia escolheram o convicto Juncker para a chefia do poderoso cargo de presidente da Comissão Europeia em 2004. Juncker recusou, por não querer se afastar do governo luxemburguês. Em 2009, ele quis então deixar a pátria para se tornar o primeiro presidente permanente do Conselho da União Europeia. "Isso foi impedido por outras importantes figuras europeias", reclama Juncker ainda hoje.
"Para mim, a Europa é uma mescla de pragmatismo e convicções fortes, quase fervorosas. Mas convicções fortes não levam a nada, quando não se age com pragmatismo. Portanto devo unir ambos", disse Juncker em entrevista à emissora Phoenix.
Marcado pelas vivências de seu pai, que foi convocado à força pelas Forças Armadas alemãs na Segunda Guerra e mais tarde trabalhou na indústria metalúrgica, Jucker sempre defendeu a reconciliação dos povos na Europa. Nesse contexto, disse ver Luxemburgo como elo entre os principais Estados da UE. "Nós luxemburgueses sabemos de coisas alemãs que nenhum francês pode imaginar e vice-versa. Somos influenciados por ambas as culturas", disse.
Nas próximas eleições, que possivelmente serão antecipadas para novembro, Jean-Claude Juncker deverá participar como candidato do Partido Conservador. Isso foi assegurado pelo presidente do partido, Michel Wolters: "É claro que Jean-Claude Juncker vai participar das próximas eleições. Se alguns são da opinião que, em caso de novas eleições, ele não vai se candidatar, é preciso dizer a eles que ele vai ficar mais quatro anos."
Caso os luxemburgueses não venham a reelegê-lo, Juncker poderia ainda ir para Bruxelas na União Europeia. No final de 2014, serão escolhidos os postos de presidente da Comissão Europeia e do Conselho da União Europeia.