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Reforma bilionária e concessão põem em dúvida real legado do Maracanã

12:42 | 10/04/2013
Depois de três obras ao custo total de 1,5 bilhão de reais aos cofres públicos, maior templo do futebol brasileiro será repassado à iniciativa privada. Críticos dizem que o Estado sairá perdendo e muito. Com a reforma do Maracanã quase concluída, o governo do Rio de Janeiro tem previsto anunciar nesta quinta-feira (11/04) quem vai administrar um dos maiores templos do futebol mundial nos próximos 35 anos. O ganhador da licitação vai receber um estádio pronto, no qual foi investido 1,5 bilhão de reais ao longo de três reformas levadas a cabo nos últimos 14 anos. A atual foi inicialmente orçada em 600 milhões, mas o valor já ultrapassou 900 milhões. Tanto a concessão quanto a reforma são alvos de críticas, que miram a falta de transparência desses processos. Para os críticos, não é possível saber exatamente onde o dinheiro está sendo investido. "Nós vemos o Maracanã como um exemplo muito claro de autoritarismo e arbitrariedade em projeto e obras que consomem grandes volumes de recursos públicos e que dizem respeito a espaços públicos de extremo interesse da população", afirma Gustavo Mehl, pesquisador do Observatório das Metrópoles da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O valor investido em reformas no Maracanã é bem superior ao que foi gasto, por exemplo, na Allianz Arena, em Munique. O estádio, um dos mais modernos da Europa, sediou a abertura da Copa de 2006 e custou 340 milhões de euros, aproximadamente 970 milhões de reais, para ser construído. Para o jornalista esportivo Juca Kfouri, um dos maiores críticos dos gastos excessivos com a Copa do Mundo de 2014, reformas como a do Maracanã são convenientes apenas para aqueles que ganham com elas, como as empreiteiras. "Exceção feita, é claro, ao contribuinte brasileiro", critica. Segundo Gustavo Mehl, o Maracanã não precisava de mais uma reforma, e a atual é praticamente uma reconstrução. "Esse movimento de demolir para reconstruir é extremamente lucrativo para as empreiteiras, pois é um trabalho duplo. O custo alto da demolição encareceu as obras do Maracanã", avalia. Opinião semelhante tem o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) do Rio de Janeiro, Agostinho Guerreiro. "O Maracanã estava num bom estado, talvez ele precisasse de uma pequena reforma. Mas uma reforma tão cara e gigantesca foi muito mais por exigência da Fifa." Repasse à iniciativa privada Após investir no estádio, o governo do Rio de Janeiro cederá a administração do Maracanã à iniciativa privada. Em troca do direito de explorar economicamente o Complexo Maracanã o estádio, o ginásio Gilberto Cardoso (Maracanãzinho), o estádio de Atletismo Célio de Barros e o parque aquático Júlio Delamare a concessionária deverá repassar ao governo estadual 4,5 milhões de reais ao ano. A concessionária também ficará responsável pelas obras no Complexo, entre elas a demolição e reconstrução do Célio de Barros e do Júlio Delamare. A licitação prevê ainda a demolição da Escola Municipal Friedenreich e do presídio Evaristo de Moraes, para a construção de estacionamentos e de uma área de lazer com bares, lojas e restaurantes. Além disso, o Museu do Maracanã deverá ser criado no local onde era o antigo Museu do Índio. Segundo Mehl, as condições da concessão, bem como o valor do repasse ao governo, são questionáveis. "Ao final de 35 anos, ou seja, praticamente três gerações de torcedores, o valor repassado não retornaria nem 10% do que foi investido pelo Estado no Complexo do Maracanã e não paga nem os juros dos financiamentos feito para a reforma", afirma o ativista, que também faz parte do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro. Miguel Lago, diretor-presidente do movimento Meu Rio, que luta pela inclusão da população em políticas públicas, concorda. "A questão de demolir um equipamento público para colocar um equipamento privado é muito complicada e não se legitima", afirma. "Como não temos informação sobre o projeto, não dá para saber se era interessante fazer uma concessão principalmente agora, com a obra quase concluída.". Para Mehl seria importante que o governo justificasse a decisão de privatizar a administração, com a apresentação de um balanço financeiro dos custos de manutenção e receita do estádio. Ele diz que o Complexo Maracanã poderia ser lucrativo mesmo com uma gestão pública e que investimentos públicos nesse espaço é dinheiro gasto não só em esporte e lazer, mas também em saúde, educação e cultura. Outras controvérsias sobre o processo de privatização e mudanças no Complexo Maracanã estão relacionadas às possíveis demolições feitas na região: a da Escola Municipal Friedenreich e dos centros de treinamentos de atletas na região. Segundo o edital de licitação, a escola só será demolida após a construção de um novo espaço para abrigar as crianças. Porém, essa determinação não existe com relação ao espaço dos atletas. Segundo a assessoria de imprensa da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), cuja sede fica no parque aquático Júlio Delamare, ainda não está formalizada a demolição do espaço, porém foi determinado que eles deixem o local até o dia 10 de maio. A assessoria informou que há uma manifestação dos atletas para a manutenção do parque. No momento, a CBDA procura um local adequado para o treinamento dos atletas de saltos ornamentais. Identidade perdida Um dos desafios da empresa vencedora da licitação será manter a identidade desse gigante construído para a Copa do Mundo de 1950. Com constantes reformas, aquele que já foi o maior estádio do mundo vem sendo descaracterizado e pouco resta do seu projeto original. Em 1999 foram colocados assentos de plástico nas arquibancadas e construídos camarotes. Em 2005, a famosa "geral" foi extinta e o campo, rebaixado. Agora o estádio passará a ter capacidade para "apenas" 79 mil pessoas e receberá uma cobertura que possibilitará uma iluminação uniforme. "O estádio vai ficar mais moderno, com a cara de um estádio europeu. Vai ser um estádio muito bom, muito bonito, mas que realmente vai perder um pouco do charme e do encanto da sua história", diz Guerreiro. Na inauguração, o Maracanã era dividido em geral, arquibancada, cadeiras numeradas e tribuna de honra. "Se, por um lado, essa era uma divisão que refletia a nossa realidade social diversa e segregada, por outro lado garantia que todos estivessem no local do espetáculo", diz Mehl. O pesquisador garante que, apesar das mudanças, ainda é possível impedir que o estádio perca totalmente a sua identidade. "Há uma mobilização crescente cobrando algumas iniciativas que garantam a recuperação desse caráter popular histórico, entre elas o preço do ingresso tabelado a partir do salário mínimo, algumas medidas que garantam que a população mais pobre participe do jogo de futebol, como a adoção de setores populares com preços baixos e cadeiras removíveis", explica Mehl. Após três adiamentos, a entrega do Maracanã para a Fifa, inicialmente estipulada para dezembro de 2012, está prevista para o dia 24 de maio. No dia 27 de abril deve ser realizado o primeiro jogo-teste no gramado, com apenas 30% de sua capacidade liberada. A grande estreia do estádio está marcada para o dia 2 de junho, com um amistoso entre Brasil e Inglaterra.

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