Vítimas denunciam golpe de "falsa arquiteta" em Maracanaú e Fortaleza
Além do boletim de ocorrência, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo foi contatado e atua na coleta de provas e análise técnica
09:37 | Out. 11, 2025
Quando Alessandra Machado decidiu contratar uma arquiteta para a reforma da casa, escolheu os serviços de uma profissional em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza. A decisão, tomada em 2024, culminou em atrasos, prejuízos e na descoberta de que não seria a primeira vítima de uma suposta falsa arquiteta.
A defesa da profissional afirma que as alegações apresentadas pelos contratantes não condizem com a realidade e que "se mostram distorcidas e inverídicas".
Em seu relato, Alessandra indica que a profissional se deslocou até o imóvel, realizou medições e entregou o rascunho do projeto, recebendo R$ 800. Em seguida, diante de solicitações para que também recomendasse a mão de obra, a mulher primeiro recusou, mas acabou por apresentar os serviços da construtora do pai.
“Ela apresentou um orçamento muito abaixo do esperado: cerca de R$ 9 mil para realizar toda a reforma, incluindo materiais. Para fechar o contrato, exigiu 50% do valor adiantado, alegando que seria responsável por tudo: compra de materiais, fiscalização e execução da obra”, diz a vítima. “Assinamos um contrato elaborado por ela e entreguei também a chave da casa”, complementa.
O prazo combinado para a reforma, de dois meses, não foi cumprido. Ao pedir a devolução da chave e do valor, Alessandra foi informada de que apenas receberia em caso de distrato elaborado pelo jurídico da suposta arquiteta - o retorno nunca teria acontecido.
“Percebendo a má-fé, entrei com uma ação judicial contra ela. Para minha surpresa, ao conversar com meu advogado, descobri que já havia outras três vítimas representadas por ele contra a mesma pessoa”, completa, destacando que ainda registrou um Boletim de Ocorrência (B.O.).
A defesa contestou as afirmações apresentadas, ressaltando que os contratantes não teriam fornecido a documentação exigida para o cumprimento das normas, o que inviabilizou a plena regularização da obra.
"Após os fatos relatados, passaram a ocorrer ameaças e exposições da empresa e de sua sócia nas redes sociais. Tais condutas foram devidamente registradas em âmbito policial", diz ainda a defesa, anexando uma ocorrência por calúnia.
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Vítimas apontam atrasos e entregas incompletas
Uma segunda vítima, que preferiu não se identificar, afirma que, em março de 2024, teria contratado os serviços para a elaboração de um projeto residencial. Apesar de um prazo estipulado de 30 dias, a produção foi recebida três meses depois.
“Quando recebi o projeto, aprovei e não modifiquei nada. Ela de prontidão indicou os serviços do pai para executar a obra”, explica. “Aceitei a proposta e paguei à vista o valor de R$ 45 mil para a execução com o pai dela, que me deu um prazo de 45 dias para a finalização, pois eram quatro funcionários”.
Nove meses depois, com o serviço incompleto, a contratante decidiu dispensar o pai da profissional. Contudo, na primeira chuva do ano, recorda-se que o teto da parte construída caiu e a casa inteira acabou com infiltrações.
“Perdi toda a mobília projetada (devido à infiltração) e descobri que não foi feita a calha da casa”, diz.
“Cheguei a usar minhas redes sociais para publicar o ocorrido e dois casais me procuraram para informar que, durante a obra da minha casa, a falsa arquiteta e o pai levaram essas famílias até a minha casa, para ‘mostrar serviço’, fazendo propagandas. Tudo isso sem o meu consentimento”.
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"Coletamos provas e montamos o processo com fundamentação jurídica", diz Conselho de Arquitetura
A vítima, que também reside em Maracanaú, declara que o prejuízo da casa é estimado em R$ 150 mil. Após o ocorrido, uma denúncia foi protocolada diretamente ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).
Sobre as informações apresentadas, o conselho informou que tem atuado ao lado do Ministério Público.
“A gente não só acompanha: nós é que coletamos as provas, fazemos toda a análise técnica, levantamos os riscos do exercício ilegal e montamos o processo com fundamentação jurídica. É esse material robusto que segue para o Ministério Público”, explica o conselheiro federal do CAU-BR, Lucas Rozzoline.
Em cartilha de orientação, o CAU-CE elenca que, para o exercício legal da profissão, é preciso:
- Diploma de curso superior de Arquitetura e Urbanismo reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC);
- Registro ativo no CAU;
- Emissão de Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) para toda atividade técnica desenvolvida (Resolução CAU-BR nº 91/2014).
A defesa destacou que a representada "não possui qualquer vínculo com o referido negócio jurídico, configurando-se, portanto, como parte totalmente ilegítima para figurar na relação contratual ou ser responsabilizada pelos atos decorrentes do contrato".
Em nota, a advogada acrescentou "que não houve qualquer pagamento referente à obra" e que "tampouco foi celebrado contrato entre as partes", o que reforçaria a "completa desvinculação do negócio jurídico".
Em outra denúncia, registrada em novembro de 2024, a vítima teria fechado um contrato com a mulher, que disse atuar como arquiteta e designer de interiores. Ambas haviam se conhecido durante um curso em Fortaleza.
A entrega dos móveis (R$ 20.500, no total) foi programada para dezembro e o prazo não foi cumprido, segundo o relato. “No fim das contas, ela mandou deixar na minha casa uns pedaços de MDF. Recebeu o nosso dinheiro e nunca mais apareceu para entregar nada”, disse a terceira vítima, que também registrou um B.O. contra a falsa arquiteta.
Defesa diz que representada "não se apresenta como arquiteta"
A defesa informou que a representada "não se apresenta nem se qualifica como arquiteta, atuando e sendo reconhecida exclusivamente como designer de interiores, profissão que exerce de forma regular e compatível com os serviços prestados pela empresa".
O material teria sido "devidamente adquirido e entregue no endereço", com o valor pago utilizado "integralmente" para a confecção dos móveis planejados. A advogada relata que o desejo de rescindir o contrato só foi manifestado após a chegada dos objetos.
"Ressalto que houve atraso na entrega devido ao atraso da última parcela acordada no contrato de prestação de serviços", completa.
Um atraso injustificado também faz parte da quarta reclamação, que descreve os transtornos vividos durante um contrato de R$ 27.997 para a produção e instalação de móveis planejados. O caso aconteceu em janeiro de 2025.
“Ela afirmou que todo o pagamento precisava ser realizado antes da montagem dos móveis e assim foi feito. Quitamos o débito em maio de 2025”, diz a contratante.
Depois de várias tentativas, a profissional teria enviado um terceiro para vistoriar o apartamento, sem realizar as medições. Estas só foram completadas após insistência da vítima, que teria recebido, duas semanas depois, um caderno técnico “cheio de erros, faltando móveis e com medidas erradas”.
“Pagamos por fora um arquiteto para fazer esse caderno técnico, para não haver mais atrasos”, diz. “Após assinarmos o caderno técnico, ela voltou a sumir, mesmo sendo questionada diariamente sobre o prazo”.
Seguindo um período de desconfianças e mais atrasos, a falsa arquiteta teria solicitado um distrato, que foi assinado, indicando a devolução do valor em 10 parcelas. A primeira parte, vencida no dia 20 de setembro de 2025, ainda não foi paga.
Em nota, a defesa informa que, seguindo desavenças no curso da execução contratual, a sócia-administradora da empresa teria optado por rescindir o contrato, e que teria assumido a multa contratual. Para resolver a situação de forma legal, o contratante foi convocado para estabelecer a devolução dos valores.
"Após a formalização do acordo, a esposa do contratante e terceira estranha à relação contratual, passou a praticar condutas que visam prejudicar a reputação da empresa, inclusive mantendo contato com supostos clientes, orientando-os a não contratar os serviços da empresa", declarou.
Considerando as atitudes, a empresa teria deixado de efetuar o pagamento da primeira parcela do acordo, resguardando-se no direito de suspender tal obrigação até a devida apuração dos fatos.
Polícia investiga o caso
Em nota, a Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) confirmou apurar as denúncias feitas sobre a atuação de uma mulher suspeita de não possuir registro para exercer a profissão de arquiteta e de aplicar golpes.
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Como evitar golpes?
A orientação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo comunica que, ao contratar os serviços, é preciso solicitar o número de registro do arquiteto no CAU. A informação é pública e pode ser consultada no próprio site do conselho.
Em seguida, o indivíduo deve conferir se o nome e o registro se relacionam. Em caso de dúvida, a recomendação é denunciar diretamente ao CAU-CE: www.cauce.gov.br/denuncia/.