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Fortaleza
NOTÍCIA

Relembrando a tragédia do Edifício Andréa, um ano depois, entre dor e memória

Testemunha relembra os primeiros minutos após o desabamento do prédio no Dionísio Torres

Rubens Rodrigues
00:30 | 13/10/2020
Bombeiros trabalham durante a noite a procura de sobreviventes nos escombros do edifício Andrea (Foto: JÚLIO CAESAR)
Bombeiros trabalham durante a noite a procura de sobreviventes nos escombros do edifício Andrea (Foto: JÚLIO CAESAR)

Um ano depois, a manhã de 15 de outubro de 2019 ainda se faz presente para quem viu e sobreviveu à tragédia do Edifício Andréa. O desabamento do prédio de sete andares na rua Tibúrcio Cavalcante, bairro Dionísio Torres, em Fortaleza, é marcado pela dor de famílias, amigos e vizinhos que viveram o transtorno de perder bens e entes queridos.

Pouco mais de 12 horas antes do prédio desabar, o cabeleireiro Marcello Rodrigues, então aos 42 anos, passeava na calçada do edifício com o cachorro como costumava fazer rotineiramente. Ele era morador da travessa Hilnete, pequena rua paralela à Tibúrcio Cavalcante, e não imaginava que nos dias seguintes sua residência seria ponto de apoio para as equipes de resgate. Viver ali se tornaria mais difícil dali para frente.

Era terça-feira, dia 15, quando o relógio marcava 10h20min. Marcello se preparava para começar o trabalho com um cliente que acabara de chegar no salão, no mesmo quarteirão do Andréa. "Lembro de cada momento daquela manhã. Senti uma trepidação grande no solo e logo em seguida ouvi um barulho", relembra. O profissional relata que o som era como o de um contêiner caindo ao chão, só que sem a pancada. Um ruído alto e gradativo, que teria durado de 10 a 15 segundos.

"Quando cheguei à porta do salão, só vi uma enorme fumaça, um homem assustado dando ré para sair da rua e gritos de pessoas que estavam nas imediações", relata. Ainda com avental de trabalho e uma tesoura de cortar cabelos no bolso da vestimenta profissional, Marcello saiu acompanhado do cliente em direção ao prédio. A rua se encheu de outras pessoas, também atônitas. "Era como uma cena de filme de terror".

"Foi tudo muito rápido, mas o primeiro sentimento que tive foi que alguém poderia estar com um problema e eu precisava ajudar. Até a queda de um avião passou pela minha cabeça. Quem eu via na rua, avisava para ir até o salão no intuito de se protegerem. Pensei que poderia estar na iminência de uma explosão", continua. "Quando percebi, eu já estava em cima do portão de alumínio do Andréa".

Marcello relata que encontrou o porteiro do prédio, Francisco Rodrigues Alves, de 59 anos, com um grupo de pessoas que o ajudaram. Ensanguentado, Francisco havia sido sacado para fora do local. Vizinhos já subiam nos escombros em busca de alguém com vida. "Ouvi gritos de pessoas soterradas e me vieram à mente os vizinhos que via quando passava com o cachorro. Foi aí que meu limite humano chegou e não consegui fazer mais nada", diz Marcello. 

Dentre as memórias, ficou "o barulho dos escombros se encaixando" e a necessidade de buscar um refúgio fora dali: "Acordava de madrugada ouvindo as máquinas e bombeiros conversando, chorando". Outra imagem marcante são as pessoas que chegavam ao local do acidente registrando vídeos no celular. "Uma coisa Black Mirror", referencia Marcello.

Passado um ano, vivendo em outro bairro e após meses de terapia, o cabeleireiro trabalha no mesmo lugar, mas confessa não ter coragem de passar pela calçada do prédio a pé como antes. "A sensação que tenho é que eu poderia ter ajudado mais gente. Existe muita dor naquele lugar".