Travesti é espancada na avenida José Bastos

A vítima foi reconhecida no IJF pela família na terça-feira, 14, três dias após sair de casa para uma festa. Ela perdeu massa encefálica e teve traumatismo craniano. O caso está sendo acompanhado pelo Centro de Referência LGBT, e ainda não há informações sobre os suspeitos

17:19 | Fev. 17, 2017

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Uma travesti foi espancada na avenida José Bastos, na madrugada do último domingo, 12, após voltar de uma festa de Pré-Carnaval, de acordo com relatos de familiares. A vítima, Hérica Izidório, 24, deu entrada no Instituto Doutor José Frota (IJF) e foi reconhecida pela irmã na última terça-feira, 14. Ela teve lesões na cabeça e no rosto e seu estado de saúde é grave.

Hérica saiu com amigos para uma festa no bairro Jardim América, ainda no sábado, 11, de acordo com a irmã, Patrícia Castro de Oliveira, 33. Na terça-feira,14, ela ainda não havia retornado. "A gente sentiu falta porque percebemos que ela não tinha levado a bolsinha de maquiagens. Pensamos logo que tinha acontecido alguma coisa", narra.

A irmã e a mãe de Hérica buscaram informações na região, mas não conseguiram nenhum detalhe preciso sobre as agressões. "Tem um bar na esquina e um rapaz, muito debochado, disse que uma travesti apanhou 'até dizer chega'. Eu respondi que era minha irmã e ele não sabia o que era a dor da família", relata. O caso está sendo acompanhado pela Coordenadoria de Políticas para Diversidade Sexual, por meio do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra.

"Recebemos a denúncia há dois dias e começamos uma busca ativa pela família para que a denúncia pudesse ser registrada", explica o coordenador do Centro de Referencia LGBT, Tel Cândido.

Segundo Patrícia, ela tentou registrar um Boletim de Ocorrência em uma delegacia da área ainda na quarta-feira, 12. "Fizeram muitas perguntas e eu fui logo embora (sem conseguir fazer o registro). Hoje, a gente foi muito bem tratada, apenas abriram o BO sem perguntar muito", diz.

A família teme as sequelas deixadas pelo espancamento, ainda conforme Patrícia. "Minha mãe está desorientada porque se ela se recuperar vai ser uma criança, perdeu massa encefálica e teve traumatismo craniano. A orelha parece que foi cortada, está cheia de pontos. Não tem nenhuma outra motivação para isso além do fato dela ser travesti, então a gente só queria justiça ", afirma.

Ativista dos Direitos Humanos, Helena Vieira soube do caso por meio das redes sociais e cobra investigação para a agressão. "Deve ter alguma câmera na José Bastos, seja de comércio ou para velocidade de carros. Queremos descobrir o que aconteceu com a Hérica", frisa.

No último dia 31 de janeiro, foi registrado o primeiro assassinato de transexual no Ceará em 2017. Em 2016, 343 pessoas da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) foram assassinadas no Brasil, de acordo com o levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB).

No Ceará, foram 15 assassinatos de pessoas LGBTs no ano passado, ainda conforme os dados do GGB. A Secretaria de Direitos Humanos recebeu 33 denúncias de violência contra LGBTs no Ceará, por meio do disque denúncia, no ano de 2016.

O POVO Online procurou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), mas ainda não obteve resposta.

O IJF informou que Hérica deu entrada na unidade no domingo, 12, e está internada na unidade de neurocirurgia.

LGBTfobia
Os números de assassinatos de travestis provavelmente são maiores que os oficiais porque podem cair nas estatísticas de homicídios comuns. O que é um problema, levando em conta que a LGBTfobia ainda não foi criminalizada, como explica a advogada do Centro de Referência LGBT, Roberta Lima. "É um crime de ódio, motivado pela aparência ou orientação sexual. Fazemos questão de colocar a motivação", diz ela.

A advogada acompanha os familiares de Hérica e solicita a investigação do caso. "Nós queremos provas para fundamentar e dar início ao inquérito. A dificuldade é conseguir testemunhas, até agora ninguém quis falar", informa.

Em 2015, o Centro de Referência LBGT fez 1889 atendimentos, sendo que 41% foram realizados com famílias e indivíduos LGBT. Ao todo, foram 165 atendimentos para LGBTs que sofreram violência ou violação de Direitos Humanos. O levantamento do Centro aponta que a maioria desses atendimentos (39%) correspondem a violência psicológica/simbólica, seguida de violência doméstica (20%) e moral (14%).

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"Hoje o Brasil não tem nenhum instrumento que faça a devida relação desse tipo de violência que a população LGBT sofre. As travestis são muito expostas por conta do contexto de vulnerabilidade, a gente não precisa colocar que somos travestis, nosso corpo já representa isso", analisa a assessora técnica da Coordenadoria de Políticas para Diversidade Sexual, Dediane Souza.

A luta pela igualdade de direitos da comunidade LGBT passa pela execução de políticas públicas e reconhecimento dos crimes de intolerância. "A população precisa denunciar porque essa violência é exclusivamente de orientação sexual e identidade de gênero. O Estado tem uma dívida histórica com a população LGBT, precisamos mudar os métodos de tratar essa violência", completa Dediane.