Criança umbandista é impedida de assistir aula em escola com cabeça coberta

De acordo com a família do estudante, o garoto de 11 anos chegou a ser empurrado pela professora para fora da sala e impedido de assistir aula pela direção até o início do próximo ano letivo. A Secretaria Municipal de Educação reconhece "falta de diálogo"

07:00 | Dez. 21, 2016

Uma criança de 11 anos foi impedida de assistir aula em uma escola da rede pública de Fortaleza por estar usando boné. Umbandista, o garoto foi empurrado para fora da sala pela professora. O caso ocorreu na manhã desta segunda-feira, 19, no Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caic) Maria Felicio Lopes, no bairro Vicente Pinzon. 

O POVO Online optou por preservar a identidade da criança e da família.

A mãe do garoto, que teve a identidade preservada, conta que o filho estava com a cabeça coberta e, por motivo religioso, não poderia mostrar a ninguém o que havia debaixo do boné. Mesmo assim, o estudante do 5º ano cedeu a pressão da professora. Conforme a mãe, a docente empurrou o aluno após ele descobrir a cabeça, proibindo-o de assistir aula.

A garçonete de 42 anos conta que esta é a primeira vez que o filho é recolhido em preceito. Ela destaca que a filha de 16 anos foi bem recebida pela instituição onde estuda, a Escola de Ensino Médio Dragão do Mar, quando passou pelo resguardo espiritual. "Só quero entender porque fizeram isso com meu filho. É abominável", diz a mãe.

A irmã conta que chegou a questionar a diretoria da escola sobre a Lei de intolerância Religiosa e afirmou que entregaria um atestado religioso. A direção da instituição se recusou a aceitar, justificando que o atestado "não existe". A escola comunicou que o aluno só poderia retornar às aulas no próximo dia 2 de fevereiro de 2017, quando começa o ano letivo, sem usar qualquer indumentária na cabeça. 
 
Coordenador do Distrito de Educação II, Josa Carlos reconhece que houve "falta de diálogo", mas diz desconhecer a versão contada pela mãe do estudante. "As escolas, de modo geral, têm a política de não deixar entrar de boné. Quando o motivo é religioso não se enquadra nessa regra", afirmou. 
 
A posição da coordenação e da Secretaria Municipal de Educação "é de respeito a questão religiosa da criança", continuou. "Há um desconhecimento do ritual por parte da professora, mas isso não quer dizer que há intolerância religiosa". Ele sustenta que nem o aluno e nem a família explicou o motivo e que apenas nesta terça-feira, 20, a mãe teria procurado a direção da escola.

Discriminação

A pedagoga Josete Castelo Branco, com habilitação em Administração Escolar, afirma que esse tipo de posicionamento é inadimissível. "Não é só um desrespeito, mas um ato de extremo desconhecimento da legislação educacional brasileira", lembra. "Numa instituição pública vinculada ao estado laico, a liberdade aos diferentes credos, inclusive ao não-credo, precisa ser respeitado. É imperdoável que os docentes e a direção da escola desconheçam a legislação".
 
A Lei 9.459/1997 considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões, com pena de reclusão de um a três anos e multa. A pedagoga, também professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), destaca que a escola poderia usar a situação de forma educativa. 
 
"A criança passou por uma situação de extremo constrangimento. As secretarias e os conselhos de educação precisam ficar atentas para formar seu quadro nesse sentido", enfatiza. "É caso, inclusive, do sistema municipal de educação realizar o registro desse descumprimento legal. Não se admite hoje que gestores do sistema e docentes desconheçam essa legislação".
 
O que fazer 
 
Vítimas de discrminação religosa devem ligar para a Central de Denúncias (Disque 100) da Secretaria de Direitos Humanos. O passo seguinte é procurar a delegacia de polícia mais próxima e registrar a ocorrência. Ocorrências como esta devem ser averiguadas por qualquer tipo de delegacia.